sábado, 19 de outubro de 2024

Maria Maria Maia

Natural do Rio de Janeiro, mais especificamente Bento Ribeiro, cresceu em uma família de católicos (brancos) na década de 1920.
Logo na infância sua espiritualidade começou a se manifestar intensamente com crises que ninguém compreendia. A família católica, sem saber mais o que fazer depois de levar a padres, procurou um terreiro. Lá ela conheceu uma das pessoas mais importantes da vida de nome Dinorá. Foi com Dinorá, que era alguns anos mais velha, que Maria iniciou sua vida no culto aos Orixás. Foi feita de Xangô com Yansã dentro da tradição de Amolokô, muito comum no Rio de Janeiro.
Logo na adolescência saiu da casa em que morava e foi viver com Dynorá. A partir de então passou a viver exclusivamente para o culto aos orixás.
Em torno de seus 20 anos de idade conheceu um paulistano, por quem se interessou. Ele a convidou para se mudar para São Paulo para viverem juntos. E ela aceitou. Veio, com os orixás, seus guias e suas bolsas e se instalou em São Miguel Paulista junto com Antenor, o paulistano que com ela viveu até sua morte.
Nessa época São Miguel Paulista era quase uma zona rural. Com poucas casas entre sítios e fazendas. A avenida principal, Pires do Rio era de terra, e a única via de acesso ao centro da cidade. Havia também a Capela de São Miguel Arcanjo, que hoje é um museu histórico. Foi nesse lugar que ela fundou seu primeiro centro espiritual. Haviam na região da zona leste de São Paulo, alguns terreiros de Umbanda, e em poucos lugares, de Candomblé. Porém não existia Omolokô. E quando Maria começou seus trabalhos muitos acharam estranho aquela forma de culto, que parecia uma mistura de Angola com Umbanda. Mas ela, com sua forte personalidade não se incomodava com boatos, e manteve seus trabalhos por toda sua vida.
Ela teve várias filhas. Entre legitimas e adotadas, as que permaneceram ao seu lado até sua morte foram Nilvaci e Dirceni. Dirceni era ekdji de Yemanjá e ajudava sempre em todos os trabalhos. Nilvaci era curimbeira. Uma das mais famosas puxadoras de pontos da zona leste. Apesar de não ter muito gosto e afinidade com seu cargo espiritual, Maria não abria mão de sua presença.
Nilvaci teve quatro filhos. Dos quatro, dois seguiram os caminhos de Maria no culto aos orixás. Marcelo Fabiano Garcia, de Xangô, e Márcio Adriano Garcia de Ogum. Ambos são, atualmente, Babalorixás de Nação Ketu. Porém as raízes de seus ensinamentos estão naquilo que aprenderam com Maria.
Após alguns anos em São Paulo, Maria ficou muito conhecida em toda a zona leste. Sua fama corria, principalmente por sua forte personalidade e bondade. Sua disposição em sempre ajudar as pessoas era admirável. Muitos sempre relatam e relembram seus feitos, como abrigar pessoas em seu centro. Seus benzimentos eram os mais procurados da região. Hábil benzedeira, milhares de crianças tiveram suas palavras e rezas como fonte de força abençoada. Conseguiu deixar patrimônio, conquistado junto e pelos orixás, que serve ainda a seus bisnetos que não a conheceram em presença, mas a conhecem bem pelas histórias e “causos” tão contados e recontados por Marcelo e Márcio.
A Casa de Santo Axé de Ogum, da qual sou Babakekerê, e que seu neto Márcio de Ogum é Babalorixá, tem como bases morais e éticas, atos, rezas, fundamentos e práticas que pertenciam a Maria. Maria é o principal pilar de nossa casa, apesar de, em vida, seguir a tradição de Amolokô, e se auto intitulava de Umbanda. Mas isso não importa no momento, já que tudo é culto aos Orixás.
Após quase 20 anos de sua morte, suas frases, palavras, personalidade, caráter servem de inspiração aos mais novos, que nem mesmo a conheceram. Sua própria linhagem espiritual continua na quarta geração, com Jonatham Eduardo, que é suspenso Ogan de Odé.
Maria Moreira Maia é um dos grandes exemplos de uma mulher de força, garra, fé, bondade, perseverança e caráter entre as mulheres que contribuíram para perpetuar o culto aos Orixás. Tenho certeza que seu nome e seus ensinamentos serão lembrados todos os dias por muitos e muitos anos.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Consumismo e Candomblé


As tradições africanas que são reproduzidas nos cultos afro-brasileiros dos Candomblés preservam muitos ritos milenares, como por exemplo, o sacrifício e as oferendas. Tais práticas sempre foram comuns em muitas e diferentes religiões. A oferta espiritual de alimentos para energias não materializadas representa uma canalização de energia. Os alimentos são carregados de energia vital. E oferecer essas energias à entidades espirituais é fortalecer, “alimentar” a harmonia entre o indivíduo ou grupo que cultua com a própria entidade.
O vinho e o pão da liturgia cristã têm o mesmo significado. O sacrifício a que Jesus se submeteu é representado pelo sangue e o corpo à qual alimentam a alma dos fiéis. É, simbolicamente, um tipo de sacrifício que se ritualiza nas missas e cultos cristão. Oferece-se aos fiéis a energia vital e espiritual de Jesus.
No Candomblé a essência dos sacrifícios e das oferendas, como já mencionado, está na energia vital, tanto do alimento vegetal quanto do sangue animal. Um alimento, ou mesmo a vida de um animal, que é oferecido ao Orixá contém uma intensa e complexa carga de energia vital, que, complementada com os devidos orikis e adurás (rezas faladas e cantadas) adquirem um poder sem medidas. São ensinamentos transmitidos e reproduzidos há milênios.
Um dos maiores tabus que a religião enfrenta perante a sociedade é a questão do sacrifício animal. Genericamente associado às feitiçarias e maldade, o sacrifício animal levanta duas graves questões: a prática irresponsável por parte dos terreiros e o desperdício de alimentos. A primeira questão é o comum questionamento: mata-se para fazer o mal? Quando se submete o sangue vivo de um animal a um determinado fim acontece uma canalização de energia para a realização de tal fim. E esse fim pode ser positivo ou negativo. Quem implanta o mal, ou o bem, é o sentimento humano e não o Orixá. Tal questão envolve a responsabilidade ética do praticante e sua moral perante o que é certo e o que é errado. Qualquer oração, devoção, “simpatias”, feitiços, rezas são formas de canalizar energias para um determinado fim. Assim como é possível se matar um animal para o mal é possível se rezar um “terço” para o mal. Depende do coração e da mente do orador, do devoto.
Atualmente vivemos uma crise, uma completa distorção dessa tradição tão importante e poderosa dentro do culto aos Orixás no Brasil, o que nos remete ao problema em relação a sacrifícios e oferendas.
O consumismo ocidental de nosso tempo passou a permear as práticas das oferendas e dos sacrifícios praticados pela Umbanda e pelo Candomblé. É muito comum presenciarmos verdadeiros desperdícios e poluição em cachoeiras, matas e praias por parte dos adeptos dos Orixás. Garrafas, pratos, vasilhames de todos os tipos deixados na natureza, contendo quilos e litros de alimentos e bebidas que são oferecidas aos Orixás. Despachos em sacolas plásticas. Sabonetes, pentes, espelhos, perfumes e xampus deixados a esmo. Ebós com quilos e quilos de comida. Praticantes que enxergam na quantidade a qualidade e força da louvação. Pessoas que não tem consciência de que o local mais sagrado para essas religiões é a própria natureza, e daí a importância do cuidado a ela. Enquanto tanta gente passa fome no mundo todo, quilos e quilos de alimento são desperdiçados pelos candomblecistas e umbandistas sem consciência da essência de sua própria religião. Como os Orixás vão abençoar o desperdício de alimentos e poluição de seu principal e mais sagrado templo.
Em orôs (sacrifícios) de iniciações e obrigações, matam-se inúmeros animais, inclusive silvestres como tartarugas, cobras, faisões, lagartos. Matam-se animais que não se come. E mesmo, em muitos casos, os animais comuns de alimentação como frangos e cabras não são consumidos. Quilos de carne são despachados com a idéia de que o Orixá irá comer.
Aos praticantes é necessária a compreensão de que a essência da oferenda é a reza, a fé, e que o alimento e a bebida são símbolos. Os Orixás se alimentam da energia cósmica, vital e imaterial desses elementos. Tais produtos carregam a energia vital em sua essência e não em sua quantidade. 5 quilos de feijão preto não agradarão mais que 100 gramas. 100 gramas com fé, com respeito e coração, agradarão muito mais do que 5 quilos, sem coração e fé. Uma iniciação com uma angola e dois frangos não é menor do que com um boi, quatro cabras e 16 frangos. Mal sabem os adeptos que o sangue mais importante da religião é o das folhas. Não se inicia ninguém sem folhas, mas com apenas um animal é possível. Depende muito mais do domínio litúrgico sobre atos e rezas do que da quantidade de comida e de animais. É, até mesmo, uma falta de respeito aos próprios Orixás desperdiçar tanto alimento em seu nome.
Não é necessário sacrificar vários animais, principalmente exóticos como tartarugas, faisões, cobras, lagartos, para o iniciado ser realmente iniciado. Inclusive, em muitos casos se matam animais sem se saber as devidas palavras. Sem utilizar as devidas folhas.
Quantidade não é qualidade. E como já mencionado, existem terreiros, casas, centros que rezam as oferendas e depois jogam fora. Despacham quilos e quilos de carne, frutas e comidas em geral que poderiam ser consumidas pelos próprios praticantes, ou mesmo doadas. Mas são desperdiçadas com o nome de despacho.
Muitos praticantes do Candomblé e da Umbanda sofrem de um mal que precisa ser superado. Esse mal se chama ignorância. Falta de conhecimento e consciência sobre a essência da própria religião.

Em Agosto

Em Agosto a gente pede agô.

Em Agosto agô significa perdão. 

Em Agosto é o mês que o Candomblé até parece ser cristão.  

A gente pede perdão, faz caridade até sem querer, quase por obrigação. 

Em Agosto a gente dá esmola como se fosse penitência. 

E tem que dar pra qualquer um, sem fazer julgamento se merece ou não. Pois no Candomblé quem julga é Xangô. E em agosto não se faz julgamento, só se doa o que tem e se pede perdão. 

Em Agosto Omolu, também dito Obaluayê, Zapatá, Xapanã e Cafunã, é quem reina na retidão da humildade, da caridade e do perdão. 

Agô senhor Omolu, que lá das terras keregebes nos traz sua força e seu saber ancestral, que me ensina e me doutrina, a fazer aquilo que é mais custoso pro nosso ego e vaidade, que é perdoar e ajudar sem ver a quem e sem julgar. Asé Babá!

#aiôro #omolu #olubajé

Coisas de asé

Antes do xirê tem ebó 
Tem orô e bori 
Sassanha pra tomar maianga
Tem perfuré antes do rum de babami
O paó é antes e depois 
Padê de Onam despachado na porta com omi e otim não pode faltar
Adjá, inam, enin pra rezar babalaxé 
Abian de surrão porque nem tudo pode ver
Iaô de erê pra dar os ossé nos oberós e nos ibás
O xére, só pra egbome, quando sobe no ilê faz todo mundo ir ao ló
E é aí que ogan é Ekede tem que dar conta de puxar e responder aduras e orikis 
No aguerê, no bravum e na vamunha 
Não pode parar o rum, o rumpi e o lê. 


#candomblé #orixás #culturaafrobrasileira #comunidadedeterreiro


Rumo à civilização

Existe uma grandeza histórica no Candomblé que a gente precisa muito reforçar, especialmente na cabeça das crianças. 

Essa grandeza é que o Candomble é uma doutrina que preserva conhecimentos, tradições e visão de mundo de grandes e avançadas civilizações. Iorubás são como os gregos, com filosofia, numerologia, botânica, oraculos matemáticos, mitologias, personagens heróicos que erram e acertam como humanos, valores antropocêntricos. 

A língua banto é como o Latim. Uma língua mãe com dialetos e subdivisões culturais e étnicas, com diversidade e ao mesmo tempo similaridades entre todos os povos falantes da língua banto. 

O Candomblé não é só afro. Ele é afroindígena. Tupis e Guaranis também são como gregos e romanos. Civilizações com visão de mundo e formas de organização próprias. 

Os gregos e romanos são a base da civilização europeia, e isso aconteceu quando os cristãos passaram a valorizar a cultura greco-romana com o iluminismo. 

Talvez o dia em que nós brasileiros realmente descobrirmos a grandeza dessas civilizações que existem e resistem aqui, aí seremos uma civilização brasileira.

Quanto valeu cada trabalho?

Todos temos potencialidades, habilidades e vocações. E todas são importantes. Alguém que tem a disposição e capacidade de dedicar-se aos estudos da medicina teria a mesma disposição e capacidade se se tornar um pedreiro? Ou um faxineiro? Aquele com vocação intelectual para as ciências teria a disposição física para trabalhos que demandam força e resistência física? Não há medida para a valorização do trabalho. Não há medida em dinheiro que mensura o real valor de qualquer trabalho. E se a lei da oferta e da procura se responsabilizar por tal medida, a valorização será de acordo com as estruturas sociais e políticas que vigoram. E tais estruturas não oferecem as condições de formação e especialização em determinadas funções. Outra questão ainda mais essencial é que essa mesma lei muda a relação humana com o trabalho. O trabalho deixa de ser uma atividade voltada para o bem estar coletivo e serviço à sociedade. Deixa de sem uma contribuição social de cada indivíduo em função da necessidade coletiva. A lei da oferta e da procura desumaniza o trabalho. Sua função. Sua essência. Os serviços de um médico se tornam um produto. Ou seja, a capacidade de salvar e cuidar de vidas será trocada por um determinado valor em dinheiro. E quem não tiver essa quantia não terá os serviços. Do mesmo modo o professor. Um médico seria um médico sem um professor? Existiram ofícios sem professores, mestres? E por que um médico, ou um juiz, ganham tão a mais que os professores? Há medida para o valor do conhecimento? Dos valores humanos? Portanto qual é a medida para a relação entre trabalho e renda?

terça-feira, 1 de outubro de 2024

No candomblé a dança não é só dança

 A dança no xirê é composta por uma série de gestos que simbolizam cada Orixá. Cada gesto é uma reprodução da essência do Orixá.

Ogum que guerreia em um constante cortar de espadas.

 Odé reproduz uma agilidade de movimentos rápidos que vem e vão de um lado para o outro. A agilidade típica de um caçador.

 Ossãe que bate suas folhas de um lado para o outro. 

Omolu que dança voltado para a terra e esbanjando a elegância, com suas palhas, comuns à um rei, o Rei Dono da Terra. 

Oxumarê demonstra a constante transformação que representa em seus movimentos diversificados, hora como gente, hora como cobra. 

Nanã que caminha lentamente sobre seu barro expressando a calma, a paciência e ao mesmo tempo a seriedade que lhe cabe. 

Oiá que provoca a ventania que nos sopra e em seus momentos de guerra corta com sua espada como Ogum. 

Obá com as mãos na orelha perdida por causa de seu amor representa também uma guerreira e caçadora que estende suas mãos de um lado para o outro para mostrar sua coragem, determinação. 

Ewá eleva, com as mãos, o seu poderoso olhar da terra para o céu expressando a importância de sua regência, que é a visão que vê além dos olhos. 

Oxum esbanja uma sensualidade meiga e doce ao ritmo do jexá. Com as mãos protegendo o ventre e segurando as belíssimas roupas. 

Logun Edé que caça e esbanja juventude em movimentos que expressam as características de Odé e Oxum. 

Xangô, com seu machados, expressa a imponência de um verdadeiro rei ao ritmo do alujá, com movimentos firmes e constantes e, por vezes, erguendo e girando seus machados, ou oxês, demonstrando seu poder sobre o trovão. 

Yemanjá, a grande mãe que reproduz o movimento de vai e vem dos mares e oceanos. Expressa o amor materno e familiar em seus atributos. 

Oxaguiã o jovem orixá da paz e da proteção. Com seus atoris vai à guerra pela defesa. 

Oxalufã, o grande ancião e mais experiente orixá. Um dos criadores do mundo e dos homens segundo a mitologia dos orixás. Emana paz, compreensão e tolerância em seus símbolos e atributos.

O Candomblé é lindo não é mesmo?

Educação antirracista

Muito se fala em educação antirracista. Muito mesmo. Virou até capital de currículo, marketing digital pra empresários e polítiqueiros da ed...