domingo, 29 de setembro de 2024

O medo da macumba

A inteligência afro-brasileira fez do medo e da ignorância uma defesa. 

Assumir o culto à Exú como culto ao Diabo afastou muito capataz, sinhô e sinhá de senzalas e quilombos pelo Brasil afora. 

Tem uma cantiga que diz: 

Preto Velho feiticeiro
No tempo da escravidão 
Quando alguém batia nele 
Quem sentia era o patrão

Ah sim. As pretas e pretos mandingueiros, rezadores, curandeiros, parteiras metiam medo até nos coroné! Isso foi ruim, mas também foi conveniente, pois afastou e protegeu muita gente. Quantas crianças filhas de coronéis essas pretas mandingueiras salvaram ao longo de 400 anos? Quantos problemas de ordem de saúde e de ordem espiritual essas pretas e pretos mandingueiros resolviam no seu cotidiano também para os brancos? Era um medo misturado com respeito, muitas vezes. 

Um medo e, às vezes respeito, que afasta pessoas moralmente perigosas e ignorantes de nossa vida. 

Quem é macumbeiro assumido sabe como é. Aquele receio alheio no ar. Um medinho de ter um nome bem amarrado na boca de um sapo estampado naquele olhar ressabiado, ainda mais quando é crente que sorri fingindo que entende, e cochicha consigo mesmo, "tá amarrado". 

E quando o macumbeiro vem de família de católico ou crente, que a fofoca mais quente vai passando de cochicho em cochicho de parente em parente que quando encontra com a gente finge que não sabe nem entende. 

Tem um ou outro que pergunta, pede um banho, até um trabalho pra aparecer um xamego, mas sempre de canto, assim 🤫🤫🤭 como se fosse aquele segredinho nosso, que na falta de fé não se tem nada a perder já que a macumba tem esse trem de feitiço e poder. 

A gente macumbeiro, nem para pra reparar, mas vira e mexe acontece de sentir aquele medinho no ar. 

E o bom de ser macumbeiro assumido que é um repelente natural de gente intolerante, que evitam estar perto de vc e te convidar pra coisas que vc não gostaria de ir. E isso te poupa de muitas fadigas. Pq "se gente preconceituosa enrustida voasse, não se veria a luz do sol." 

Então se você é desses que quer distância de gente escrota se assuma macumberxs. 

Só não seja um macumbeiro escroto!

Exú e Loki

Sabia que Loki tem a ver com Exú?

Loki é o Deus da mentira, da astúcia, da ilusão. 

A série da Disney coloca Loki como alguém que defende o livre arbítrio acima de tudo. Ele quer provar que ninguém controla tudo. Que as escolhas é que determinam o futuro. Ou deveria ser. Como pode alguém, ou um grupo de seres controlar exatamente tudo? 

Isso é inaceitável. 

Loki tem um símbolo mitológico filosófico bem peculiar e ao mesmo tempo recorrente em outras mitologias. 

Exú tem semelhanças com Loki.

 Exú, na mitologia dos orixás, é que desafia a ordem estabelecida, é quem testa os limites das pessoas, é quem prega peças pra provar que ninguém controla tudo, nem mesmo (um) Deus. Loki faz isso. Desafia a ordem estabelecida. Desorganiza a realidade, tal qual qualquer mentira.

 Loki se vê como único Deus capaz de realmente governar o universo pq percebe que é o único que enxerga as coisas com a objetividade e a frieza necessária. 

Loki não aceita o conforto da ilusão. Não concorda com ideia de que a ordem deva prevalecer sobre a liberdade da escolha

Mesmo que essa escolha leve à autodestruição, foi escolha. 

É a narrativa oposta à causa de Thanos, que com as joias do poder exterminou metade do universo aleatoriamente, justificando os meios com a finalidade do bem maior. 

Desfazer o que Thanos fez é justamente dar a oportunidade pras pessoas decidirem sobre seu futuro. Mesmo que as pessoas possam se destruir elas devem ter a opção de escolha, de acordo com a narrativa. 

Loki desorganiza a linha do tempo. E torna o universo aleatório, de acordo com cada escolha, de cada pessoa, as linhas do tempo vão se ramificando. E assim os destinos não são traçados por ninguém, mas sim consequências das ações e livre-arbítrio de cada um. 

O que é melhor? Ordem e harmonia sustentados pela ilusão de liberdade ou liberdade real e plena mesmo que isso custe a existência da ordem e harmonia no mundo? 

E ainda tem gente que acha que isso é coisa de criança.

Exú e Lúcifer

O Diabo, ou Lucifer, não aceitou a autoridade inquestionável de seu pai. Não aceitou que tudo fosse exatamente ordenado pela vontade de Deus. 

Exú não aceitou que as coisas fossem criadas exatamente conforme a autoridade de Olodumare.  

Lucifer atentou Eva a desobedecer e comer a maçã, que dava acesso ao conhecimento, tudo o que Deus não queria.  

Exú atentou Oxalá a se embriagar de vinho de palma que perdeu então o saco da Criação pro seu irmão Odudwua. 

Lucifer foi expulso do paraíso. Exu "não se mistura" com os outros Orixás. (O culto é meio que em momentos e lugares distintos dos outro orixás.

Exú e Lucifer testam os limites humanos. Testam a moralidade, desconstroem conceitos de certo e errado, não aceitam a ordem estabelecida. 

Eles são bem parecidos.

Exú é cultura.

Vou contar uma curiosidade histórica macumbística.

Quando as pessoas africanas escravizadas perceberam o medo enorme que os brancos tinham de um tal de diabo, capeta, satanás, demo.... entre outros nomes, percebeu-se que isso poderia ser usado a favor, como forma de proteção. Então não era incomum que benzendores e benzedeiras, rezadores, as mães de santo, etc, assumissem alguma ligação ou pacto com esse tal aí que eles tanto temem. As vezes não negar o tal "pacto" já era uma forma de assumir e manter os tementes ao demo bem longe.

E na concepção africana de bem e mal, temer o demo como a força maligna universal não fazia e não faz sentido algum. pois não há força suprema nem do bem nem do mal. há forças diversas em dialética, oscilando em busca de equilíbrio. 

É curioso também que Lúcifer seria um dos grandes anjos, filhos diretos de Deus e atrapalha a criação do mundo e da humanidade, contestando o próprio Deus, assim sendo atribuído ao mal.

 Pois bem, na mitologia iorubá, Exú seria um dos filhos de Olodumáre que atrapalha os planos de criação do mundo e dos homens, desafiando a ordem. 

Macumba é cultura.

Sobre Sacrifício

O sacrifício está em todas as metáforas de todas as religiões. Antigamente de forma literal, muitos povos sacrificavam animais e escravos. E existiam os sacrifícios voluntários também. Pessoas se davam em sacrifício (Não é tão absurdo se pensarmos no jihadistas). Há evidências disso. 

Mais tarde muitas metáforas da cultura humana tratou do sacrifício. Aquele ato onde vc abre mão de algo valioso (filho, mãe, inocentes) por algo que VOCÊ acredita ser maior (religião, política, inocentes, filho ou mãe).

 Abraão quase matou o próprio filho. É a origem do Judaísmo. 

Deus deixou que matassem seu filho. É a origem do cristianismo.
Na bíblia o que mais há é história de sacrifício todas as pessoas boas sofrem. 

O budismo sacrifica a vontade (conheço pouco), mas sei que o constante desapego e eterno desapego das necessicdades imediatas por uma vida de meditação é um dos princípio básicos.  

Agamenon sacrifica sua filha antes de ir para a guerra de Tróia.

Stenis Barathian sacrifica sua filha antes de partir para a guerra contra lorde Balduin. (Game of Trhones).

Thanos sacrifica Gamora pela pedras do poder. Ainda Thanos sacrifica metade da vida no universo para salvar a outra metade (tipo os fins justificam os meios lá do Maquiavel).

O sacrifício é a causa maior que dá sentido a vida. O sacrifício é vc abrir mão de algo que vc tem, de uma situação de vantagem e conforto em prol de outra pessoa, ou em prol de uma causa. 

No plano da metáfora filosófica, religiosa ou existencial o sacrifício é lindo. É uma busca necessária. Aplicar doses de sacrifícios para que a vida faça sentido. 

No plano social o discurso do sacrifício é um desastre. É o ópio do povo. É a romantização do sofrimento e da desgraça que escraviza pessoas ignorantes e manipuláveis pela própria condição de pobreza e semi escravidão. O sacrifício de muitos pra benefício de alguns é a realidade mais nua e crua que existe. E o poder da retórica, da oratória e do monopólio da palavra e da opinião faz com que as pessoas aceitem a pobreza e o sofrimento como um tipo de sacrifício que já vem com o consolo que depois da morte há de ficar tudo bem.

Culto Consumista: A Cultura de Consumo no Culto aos Orixás

As tradições africanas que são reproduzidas nos cultos afro-brasileiros dos Candomblés preservam muitos ritos milenares, como por exemplo, o sacrifício e as oferendas. Tais práticas sempre foram comuns em muitas e diferentes religiões. A oferta espiritual de alimentos para energias não materializadas representa uma canalização de energia. Os alimentos são carregados de energia vital. E oferecer essas energias à entidades espirituais é fortalecer, “alimentar” a harmonia entre o indivíduo ou grupo que cultua com a própria entidade.
O vinho e o pão da liturgia cristã têm o mesmo significado. O sacrifício a que Jesus se submeteu é representado pelo sangue e o corpo à qual alimentam a alma dos fiéis. É, simbolicamente, um tipo de sacrifício que se ritualiza nas missas e cultos cristão. Oferece-se aos fiéis a energia vital e espiritual de Jesus.
No Candomblé a essência dos sacrifícios e das oferendas, como já mencionado, está na energia vital, tanto do alimento vegetal quanto do sangue animal. Um alimento, ou mesmo a vida de um animal, que é oferecido ao Orixá contém uma intensa e complexa carga de energia vital, que, complementada com os devidos orikis e adurás (rezas faladas e cantadas) adquirem um poder sem medidas. São ensinamentos transmitidos e reproduzidos há milênios.
Um dos maiores tabus que a religião enfrenta perante a sociedade é a questão do sacrifício animal. Genericamente associado às feitiçarias e maldade, o sacrifício animal levanta duas graves questões: a prática irresponsável por parte dos terreiros e o desperdício de alimentos. A primeira questão é o comum questionamento: mata-se para fazer o mal? Quando se submete o sangue vivo de um animal a um determinado fim acontece uma canalização de energia para a realização de tal fim. E esse fim pode ser positivo ou negativo. Quem implanta o mal, ou o bem, é o sentimento humano e não o Orixá. Tal questão envolve a responsabilidade ética do praticante e sua moral perante o que é certo e o que é errado. Qualquer oração, devoção, “simpatias”, feitiços, rezas são formas de canalizar energias para um determinado fim. Assim como é possível se matar um animal para o mal é possível se rezar um “terço” para o mal. Depende do coração e da mente do orador, do devoto.
Atualmente vivemos uma crise, uma completa distorção dessa tradição tão importante e poderosa dentro do culto aos Orixás no Brasil, o que nos remete ao problema em relação a sacrifícios e oferendas.
O consumismo ocidental de nosso tempo passou a permear as práticas das oferendas e dos sacrifícios praticados pela Umbanda e pelo Candomblé. É muito comum presenciarmos verdadeiros desperdícios e poluição em cachoeiras, matas e praias por parte dos adeptos dos Orixás. Garrafas, pratos, vasilhames de todos os tipos deixados na natureza, contendo quilos e litros de alimentos e bebidas que são oferecidas aos Orixás. Despachos em sacolas plásticas. Sabonetes, pentes, espelhos, perfumes e xampus deixados a esmo. Ebós com quilos e quilos de comida. Praticantes que enxergam na quantidade a qualidade e força da louvação. Pessoas que não tem consciência de que o local mais sagrado para essas religiões é a própria natureza, e daí a importância do cuidado a ela. Enquanto tanta gente passa fome no mundo todo, quilos e quilos de alimento são desperdiçados pelos candomblecistas e umbandistas sem consciência da essência de sua própria religião. Como os Orixás vão abençoar o desperdício de alimentos e poluição de seu principal e mais sagrado templo.
Em orôs (sacrifícios) de iniciações e obrigações, matam-se inúmeros animais, inclusive silvestres como tartarugas, cobras, faisões, lagartos. Matam-se animais que não se come. E mesmo, em muitos casos, os animais comuns de alimentação como frangos e cabras não são consumidos. Quilos de carne são despachados com a idéia de que o Orixá irá comer.
Aos praticantes é necessária a compreensão de que a essência da oferenda é a reza, a fé, e que o alimento e a bebida são símbolos. Os Orixás se alimentam da energia cósmica, vital e imaterial desses elementos. Tais produtos carregam a energia vital em sua essência e não em sua quantidade. 5 quilos de feijão preto não agradarão mais que 100 gramas. 100 gramas com fé, com respeito e coração, agradarão muito mais do que 5 quilos, sem coração e fé. Uma iniciação com uma angola e dois frangos não é menor do que com um boi, quatro cabras e 16 frangos. Mal sabem os adeptos que o sangue mais importante da religião é o das folhas. Não se inicia ninguém sem folhas, mas com apenas um animal é possível. Depende muito mais do domínio litúrgico sobre atos e rezas do que da quantidade de comida e de animais. É, até mesmo, uma falta de respeito aos próprios Orixás desperdiçar tanto alimento em seu nome.
Não é necessário sacrificar vários animais, principalmente exóticos como tartarugas, faisões, cobras, lagartos, para o iniciado ser realmente iniciado. Inclusive, em muitos casos se matam animais sem se saber as devidas palavras. Sem utilizar as devidas folhas.
Quantidade não é qualidade. E como já mencionado, existem terreiros, casas, centros que rezam as oferendas e depois jogam fora. Despacham quilos e quilos de carne, frutas e comidas em geral que poderiam ser consumidas pelos próprios praticantes, ou mesmo doadas. Mas são desperdiçadas com o nome de despacho.
Muitos praticantes do Candomblé e da Umbanda sofrem de um mal que precisa ser superado. Esse mal se chama ignorância. Falta de conhecimento e consciência sobre a essência da própria religião.

O preceito no Candomblé


Pra praticar o Candomblé é preciso cumprir preceitos. Vários tipos. Alimentos, sexo, roupas, cabelo, ambientes, álcool. E varia de acordo com o orixá, a casa e a pessoa que te inicia. As regras são variáveis e flexíveis de acordo com o entendimento e gestão do saber do líder, pois o Candomblé não tem uma base escrita objetivamente pra nada. Cabe a quem se apresenta como sacerdote ter ética, responsabilidade e conhecimento que comprove seu notório saber de sacerdócio.  

Mas quem fiscaliza se a pessoa que inicia cumpre os preceitos ou não? O que acontece quando não se cumpre os preceitos? Quais são os níveis e intensidades dos preceitos corretos, de acordo com a tradição original? 

Difícil responder isso. Tem irmão que fiscaliza o outro pra fazer ejó. Tem quem fiscaliza pra por na rede social e falar mal. Tem quem cumpre o preceito só na frente dos outros, ou na frente do pai de santo. Tem quem nem liga muito por que não considera tão importante quanto a roupa importada da Nigéria. 

O que dá pra entender e estabelecer é que o preceito, seja ele qual for, é um compromisso ético de você com você mesmo, com seu ori, seu Orixá, sua consciência e seu axé. 

Todo preceito do Candomblé tem seu significado, seu sentido, seu contexto. E cabe aos praticantes do Candomblé compreender o sentido dos preceitos pra cumprir de própria vontade. E quando entender esses significados for difícil, você pode apenas confiar na pessoa que você escolheu pra cuidar de seu ori, e cumprir o preceito, como deve ser. 

Se abster, evitar aquilo que lhe traz conforto e satisfaz desejos, evitar alimentos prazerosos demais que quase sempre prejudicam o corpo, saber impor limites ao próprio impulso e desejo sexual, tudo isso, dentre outras coisas, são formas de exercitar o ori, a mente, as emoções, o corpo. E isso é exatamente a espiritualidade. A busca do equilíbrio de si com si, de si com seus ancestrais, com seus protetores, de si com os Orixás, de si com a natureza, de si com Deus/Zambe/Olodumáre/Alá. Não existe exercício de espiritualidade sem alguma disciplina. 

Preceito é importante.

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