segunda-feira, 30 de setembro de 2024

o número 16 no Candomblé

No Candomblé são 16 Orixás porque o número 16 é base do sistema do oráculo de Ifá. 

Oráculo é aquilo que serve para se comunicar com o invisível, com os ancestrais, e até com o futuro e o passado. 

Essa doutrina denominada Ifá preserva e reúne os saberes, mitologias, filosofias e história da civilização iorubá. 

O Candomblé foi organizado por pessoas com influência dessa tradição que perante tanta gente, de tantos lugares diferentes, precisavam representar de forma simplificada e resumida essa base da cultura dos Orixás. Daí escolheram 16 principais (até com adaptações genéricas para facilitar a organização) e estabeleceram o Xirê, que é justamente uma sequência de 16 orixas que representam terras, reinos e subculturas iorubás.  

O xirê, por sua vez, conta e representa passagens específicas das histórias desses Orixás, assim como da relação uns com os outros. 

Tem uma parte do xire que louva Xangô, a roda de Xangô. As cantigas que se canta nessa parte exaltam Xangô como o grande rei, Obá, que também pode ser lido como imperador. Oió era a capital de um Império, de onde Xangô conquistou e unificou diversos outros reinos.

Ou seja, o Xirê é como os antigos teatros gregos, chineses, romanos. Nele se reproduz, se canta, se dança, se interpreta a HISTÓRIA da civilização ioruba que veio pro Brasil. 

E naturalmente, esse Candomblé de base Ioruba se inspirou e se fundiu, e trocou modos e saberes com as pessoas da civilização bantu que aqui já estavam. E com os indígenas que também são cultura base do Candomblé em geral. 

Ah, e os primeiros terreiros urbanos nas capitais como Salvador, Recife, São Luís só funcionavam com a autorização dos padres nas paróquias nas regiões periféricas das cidades. E é daí que vem a tradição de tomar a benção do padre depois de fazer o santo. E convenhamos, é uma tradição bem colonizada. 

Macumba é muito mais que despacho na encruzilhada e amarração pra gente casada. 

Macumbeires do mundo, uni-ves! 🏹⚒️

Racismo Reverso

Isso não existe. Se você é uma pessoa branca nunca afirme isso. É uma imensa falta de respeito com nossa história, com nosso povo, com qualquer pessoa negra. 

Existem pessoas negras que podem pressupor que "se é branco é rico"; pressupor que "por ser branco é racista"; pressupor que por ser branco não sabe sambar, não pode fazer rap. Pode acontecer de uma pessoa branca estar em um "ambiente negro" (candomblé, escola de samba, batalha de rap, festa de congado, etc) e não se sentir acolhido, ou se sentir invisível pois ninguém interage com ela. Pode acontecer de uma pessoa branca se relacionar como uma pessoa negra e não ser bem aceito na família. Mas isso não é racismo reverso. Isso não é racismo.  

Essas situações que pessoas brancas podem ocasionalmente passar não é nem uma fração do que pessoas negras, pardas e indígenas passam durante toda a vida.

 Não se compara um simples constrangimento ou rejeição social com a horrenda realidade de violência e humilhação que o racismo estrutural, histórico e cotidiano causa a mais da metade da população brasileira e mundial. 

E convenhamos, não há fatos ou argumentos biológicos ou sociais que justifiquem o racismo. Mas há fatos e argumentos históricos e sociais de sobra que justifiquem a rejeição e resistência do negro em relação ao branco. 

#racismonão #antirracista #antifascita #humanizando

Quilombos e senzalas

Quilombos e senzalas são ambiente afroindígenas, por essência. Não há africanidade pura em nenhuma tradição afro-brasileira. 

Quando os navios com pessoas africanas chegaram já existiam senzalas com pessoas indígenas. 

Quando as pessoas africanas fugiam pra dentro já existiam comunidades indígenas se reorganizando por questões de conflitos entre si, tanto pré existentes quanto por efeito da peste branca em forma de gente cristã. 

Mestiçagem, sincretismo, miscigenação. Seja lá qual for o nome, não há "pureza" de tradição, ou nação, ou fundamento. 

Candomblé, capoeira, catimbó, Maracatu, bumba-meu-boi. ..tudo afroindígena.

domingo, 29 de setembro de 2024

Ubuntu é axé

Há uns anos que se fala em UBUNTU. E de fato é uma ideia encantadora que valoriza África e africanidades. 

O que muita gente não sabe é que a macumba é Ubuntu desde sempre. Pq Ubuntu é a ideia em que todo mundo cuida de todo mundo como se fosse irmão, e pai e mãe, todo mundo de todo mundo. Então, na macumba todo mundo com mais experiência é pai ou mãe. Todo mundo com menos experiência é filho. E todo mundo é irmão de todo mundo. E todo mundo toma benção uns dos outros, e todo mundo abençoa uns aos outros. Então essa coisa africana já tá aqui muito antes de livros e cursos e relatos antropológicos. 

Ubuntu é axé. Axé é Ubuntu.

Hierarquia e poder na sociedade de terreiro

Umas das questões mais evidentes e complexas da cultura de terreiro é a formação de pequenos núcleos ou células de hierarquia e exercício de poder.
As formas como os terreiros se constituem e se organizam, assim como a forma com que uma pessoa se torna um sacerdote é, acima de tudo, muito espontânea. Nesse fenômeno hiper diversificado que é a religiosidade de terreiro, não há bem regras definidas, procedimentos pensados e organizados por lideranças específicas, com determinados espaços de debates, estatutos regulatórios, nem nada do tipo. O que há é algumas regras tradicionais, orais, e difusas, que não compreendidas ou seguidas, de acordo com a vontade ou capacidade de entendimento de quem se propõe a ser uma pessoa líder de comunidade de terreiro.
Grosso modo, os líderes conduzem suas comunidades conforme sua própria visão e interpretação da coisa toda, e de um somatório de suas próprias experiências e saberes.
Mas nesse fenômeno de comunidades, lideranças e sacerdócios espontâneos, há uma questão socialmente importante e psicológica e antropologicamente complexa.
A possibilidade de se tornar líder, alguém importante e seguido. Alguém que será admirado, bajulado e adorado por seus seguidores, dentro de uma relação sagrada de fé, lealdade e servidão, abre espaço para o exercício de todo tipo de irresponsabilidades e abusos de todo tipo.
Um pai ou uma mãe de Santo, ou seja, um líder de comunidade, exerce um poder e um influência no comportamento e nas atitudes de outras pessoas que é até difícil compreender. É algo de subconsciente coletivo de nossa sociedade. Quando alguém se apresenta como pai ou mãe de santo, as pessoas de sendo muito comum, de muita fé e pouca escola, acabam depositando as decisões da vida nesse líder. Como se ele representasse a vontade dos Orixás. E essa relação e forma de enxergar esse líder, pode ser fundamental para que essas pessoas conduzam sua própria vida, ou pode ser uma grande armadilha para abusos e assédios financeiros, morais, sexuais e outras violências.
O fato é que qualquer sacerdócio, de qualquer cultura religiosa, é uma existência de servir, de estar disponível, de cuidar, de tomar decisões pela vida dos outros, de acolher até mesmo quem faz o mal. Ao passo que a vivência de terreiro faz muita gente acreditar que ser sacerdote é ser servido e adorado. É exercer autoridade e poder, e fazer valer suas vontades. Uma coisa é consequência da outra, nessa ordem descrita acima, e não o contrário.
Pessoas que se formam em terreiros e experimentam viver como líderes, sem compreender a complexidade do servir, a dimensão dos efeitos de sua ética, ou falta dela, na vida dos outros, fazem grandes estragos na vida de pessoas que depositam fé, lealdade, tempo, dinheiro na crença que de que aquele líder realmente zela por ti.

Sobre desigualdade

"Século XXI onde tudo é comum" dizia o poeta. É comum de tanto que tem e todo mundo aceita. 

Mas nem tudo que é comum é igual pra todo mundo.
Um vírus ou bactéria pega qualquer um, mas também mata na ordem direta e proporcional da sua classe social. 

Tem muita coisa que não é comum, coisa que tem gente que tem sobrando, e tantas outras que tem gente que não tem nada nem nenhum. 

Tem quem não tem renda, nem salário, vende almoço e compra a janta, todo dia sem nem férias nem feriado, pois em casa a fome aperta, o menino tá gripado.

Tem gente que não tem dinheiro pra nada, e reza pra não ter que ter despesa surpresa de farmácia. 
 
Nem mesmo pro detergente, ou pra ração do cachorro, se sabe se vai sobrar. 

Tem tanta gente que nem água de beber ainda tá tendo, mesmo com quase tudo conectado. 

Tem criança e adolescente que não tem nem mesa dentro de casa pra sentar, nem janela pra abrir, pra deixar o quarto arejar. Que dirá internet, computador, celular pra estudar. Haja fé no Mérito. 

Tem quem não pode comprar um tanto a mais pra guardar caso faltar. Come o que tem hoje, amanhã vê no que dá. 

Tem muita gente que nada tem além da sorte, de Deus, dos santos, guias e orixás, e da capacidade des se virar e sobreviver, no que der, quando der, se der, se Deus dá.

Sobre comunismo, nazismo e morte

É comum argumentos rasos que comparam nazismo e comunismo com números de mortos. Quando pessoas com simpatia ao nazismo, ou antipatia ao comunismo, ou as duas coisas, não sabem falar sobre comunismo, elas costumam afirmar que na China de Mao Tsé Tung e na União Soviética morreram muito mais pessoas que no nazismo. 

Esse é um raciocínio leviano, ou seja, raso. Pq? 

 Vamos comparar a quantidade de africanos e indígenas que morreram (e morrem) e foram escravizados ( e são) por 5 séculos. Daí a gente compara o catolicismo e o protestantismo com base em quantas pessoas ambos mataram? Daí a gente tem o valor de uma e de outra religião. Afinal o número de mortos que aquela fé/ideologia causou define o valor de ambas, uma melhor outra pior. 

É basicamente a mesma coisa. Vamos julgar os católicos pelo que fizeram com indígenas como julgamos nazistas pelo que fizeram com judeus? Faz sentido o raciocínio? 

Comparar nazismo e comunismo é comparar ideologias e motivações para ações de pessoas. 

Comparar o número de mortes em regimes totalitários com base em registros oficiais do Estado, que envolvem tempo, geografia, população, cultura, etc., e a partir daí comparar a ideologia por traz das ações deste Estado é leviano. É coisa de quem estuda pouco ou nada. 

Comparar nazismo e comunismo com base em número de pessoas mortas durante seus regimes de Estado é preciso considerar a motivação por trás do Estado. As justificativas e objetivos daqueles que dão as ordens nesse Estado. 

Não há na causa do catolicismo, nem do protestantismo, o extermínio é escravização de outras raças. Mesmo que políticos, filósofos e padres e pastores sempre tenham participado disso, mas nem todos.  

Não há na causa comunista, ditaduras, prisões e tortura política, perseguição de familiares. Mas Estados comunistas praticaram e praticam isso. Assim como cristãos escravizam, exploram e matam outras pessoas em nome de uma ideologia que não defende aquilo que eles fazem. 

O Nazismo defende o extermínio, a escravização e a tortura como ação do Estado com justificativas científicas, culturais e religiosas. 

É disso que se trata.

sobre Jesus

Primeiro vamos separar Jesus de todas as igrejas. e de todos os símbolos rasos e subjetivos sobre ele. vamos pensar nele como um cara muito foda. muito inteligente que teve acesso a instrução teológica, filosófica, oratória (tradicional e usual entre os judeus). era um cara corajoso e inquieto. 

ele tava sempre puto e indignado com a aquela sociedade hipócrita desde os 11 anos de idade. aquela sociedade onde só quem era cidadão e tinha direitos eram os romanos. os fariseus eram aquela elite que ditava as regras e só era filho de Deus quem fosse hebreu. e Jesus, como judeu, achava aquilo um absurdo. distorcer toda a filosofia do antigo testamento ( a Torá), em nome de interesses e manutenção de poderes. 

ele ficava muito puto em ver todo mundo julgando todo mundo. naquele tempo a lei era literalmente "olho por olho, dente por dente". Essa ideia de igualdade não fazia sentido pra quase ninguém. 

o Estado romano não significava nada pra Jesus, não era disso que ele falava. Dai a César o que é de César. Jesus falava da atititude individual, imediata. não falava de estrutura, nem de política pública. ele falava simplesmente de olhar pro outro como irmão. e se esse outro por acaso tivesse erro, que fosse perdoado. que vingança é a verdadeira maldição. 

e muita gente torceu o nariz e distorceu o que ele disse. e o povão da região, na cegueira da ignorância de seu próprio de tempo, pediu foi a cabeça daquele... (não imagino do que era chamado, mas se hoje fosse seria vagabundo, arruaceiro, comunista e marginal). 

mas falar o que pensava não era crime de acordo com a lei romana. então não se podia condenar. e aí, pra cumprir o protocolo do direito e da justiça romana de que ninguém pode pagar por crime que não aconteceu, trocaram, de forma vista e assumida, um bandido declarado e comprovado, o Barrabás, por Jesus, que crime não tinha, a não ser ter falado o que pensava. 

Pilatos lavou as mãos. com aquilo não tinha nada. o povo gritou e insistiu, ver mais um crucificado. e de toda gente que gritou pela cabeça daquele depravado, quase ninguém nem sabia quem ele era ou o que tinha falado. como se fosse o nosso gado que segue tocado pro matadouro, repetindo a raiva sem saber nem mesmo porque ou de onde vem aquela ódio descontrolado.  

ele foi torturado e condenado. morreu e virou memória, símbolo e referência. para o bem e para o mal, sua mensagem foi apropriada. como tudo o que é grandioso, sua imagem foi distorcida e instrumentalizada por uns, exaltada e potencializada por outros. 

ao mesmo tempo que se constrói um império espiritual cruel e autoritário sob a elite romada e judaica que criam a igreja, se espalha a mensagem profunda e latente da fraternidade, do amor, do perdão, da igualdade. e de forma proporcional Jesus vira um instrumento de dominação e aculturação por um lado, e por outro símbolo de um pensamento que propõe uma outra concepção sobre a humanidade. uma concepção que elimina as diferenças étnicas e culturais que tanto dividiam e confrontavam as culturas e povos não cristãos. a partir do cristianismo (como filosofia) a ideia de escravidão passa a ser questionada e abolida. Onde o cristianismo chegava a escravidão era questionada. 

e de novo, vamos separar cristianismo de igrejas, e de política e de poderes. a ideia cristã de igualdade, fraternidade, solidariedade, caridade, amor e perdão, são ainda as ideias que dão sentido racional a fé cristã. 

se os ditos cristãos fossem de fato seguidores e multiplicadores daquilo de Jesus ensinou, seríamos uma humanidade melhor. 
#felizpáscoa

Mitologia brasileira

Toda civilização tem sua mitologia. E nós brasileiros colonizados temos várias mitologias na mentalidade, na fé e na cultura do povo. 

A mitologia Iorubá (tronco linguístico original da região da Nigéria e Benin) é viva no Brasil. Inspira e conduz a formação moral e ética de muitas pessoas, ou melhor, de boa parte do povo brasileiro. 

Os Orixás e o Candomblé tem como base teológica a mitologia Iorubá. E cada orixá, cada itan, ou lenda, traz significados fundamentais aos valores humanos. 

Um exemplo. 

Ossãe: o guardião das folhas. Folhas que contém as mais sagradas propriedades. De curar, matar, seduzir, iludir, enganar, acalmar, esfriar, esquentar, perturbar. Guardião do segredo sobre as folhas. Das palavras mágicas que ativam e controlam as propriedades das folhas. Seu domínio fez de Ossãe o detentor do poder sobre muitas coisas. Confiante de sua exclusividade, Afirmava aos quatro cantos, em tom egoísta e imperativo: Ewêwê, minhas folhas, minhas folhas! De repente uma ventania inexplicada toma conta de toda a floresta e derruba ao chão a cabaça dos segredos de Ossãe. Desesperado ele tenta recolher suas folhas, mas era tarde. Todos os Orixás pegaram para si aquelas que lhe interessavam. Oyá, com seu poder sobre os ventos, atentada pela sua própria curiosidade e atendendo ao pedido de Xangô, tirou de Ossãe aquilo que ele mais prezava: a exclusividade sobre as folhas e seus segredos. Ossãe foi obrigado pelo destino, ou por obra de Olodumáre, a superar seu sentimento egoísta de ser o único dono das folhas. Porém, Ossãe não perdeu o mais importante. Nenhum vento ou tempestade pode destruir ou roubar o conhecimento. Ossãe continuou detendo o poder da palavra, dos Orikis necessários para usar as folhas. Assim, os Orixás passaram a ter as folhas mas não os Orikis, dependo então do licença de Ossãe cada vez que fossem utilizá-las.

Por que evangélicos neopentecostais odeiam tanto as religiões afro?

Concorrência. Tantos os terreiros e centros de umbanda e candomblé quantos as igrejas neopentecostais se concentram nas periferias e favelas. Elas disputam um mesmo público em um mesmo espaço geográfico. Nas favelas e periferias estão as piores e mais frequentes mazelas. Drogas, violência doméstica, violência do tráfico, violência da polícia, falta de hospitais e escolas decentes. Na favela está concentrado o sofrimento geral que a pobreza causa. E tanto pastores e pastoras quanto pais e mães de santo estão atendendo e consolando essa gente sofrida. 

Cada uma consola a seu modo. 

Porém é comum as igrejas neopentecostais declararem ódio e intolerância abertamente contra "macumbeiros" como uma estratégia de manipulação e proveito da ignorância alheia. Um evangélico que mora na favela sempre tem um vizinho macumbeiro. O discurso do medo, do diabo, do feitiço, um pensamento medieval que ainda custa a vida e a honra das pessoas. 

Um macumbeiro não tem um evangélico como inimigo, a não ser que tenha sido vítima de intolerância. A maioria dos centros de candomblé e umbanda não funcionam como empresas. Funcionam mais como casa de caridade do que qualquer outra coisa. Igrejas não são concorrência para centros. 

No Brasil a ignorância das pessoas dão muito lucro e segurança pra esses verdadeiros demônios ladrões que ficam bilionários com a falsa fé alheia. 

É fato que há igrejas realmente evangelizadoras, assim como existem picaretas se passando por Pai ou Mãe de santo. É preciso saber separar o joio do trigo em todas as religiões, grupos e culturas. 

As igrejas e centros deveriam unir o povo periférico e não separá-lo. E no quesito intolerância os falsos Cristãos são campeões.

Nosso Candomblé

Consciência vem da arte, música, culinária, moda, adereços, cabelo, jinga, ritmo. Vem da língua e dos sotaques. Dos verbos e substantivos. De Angola, congo, benguela, monjolo. Vem do Iorubá e do banto. De Oyó, Ketu, Ilê Ifé. Consciência Negra vem do Candomblé. Do nosso candomblé. Que reúne tudo isso e mais um pouco.

 No nosso candomblé tem moda. Panos, cores, laços e bordados. Uma verdadeira exposição de moda e design em que as belíssimas mulheres não precisam se valer de padrões, de corpo, de cor ou cabelo, mas apenas de sua natural feminilidade composta pela arte dos panos em seu corpo.

No nosso candomblé tem culinária. Amalá, Acarajé, Acaçá. Dendê, deburú, axoxô. Omolocum, Eboyá e aruá. Tem comida pra dar pro povo, pro corpo e pro ancestral. É comida de santo sagrada, agradecida e rezada.

No nosso candomblé tem artistas. Tem músicos, ritmistas, percussionistas com tamanha maestria que conseguem fazer você deixar de ser você só com o baque do atabaque, do Run, Rumpí e Lê. Tem bailarinos e bailarinas que dançam passos e coreografias, com uma jinga e malemolência que apenas lá, no nosso Candomblé é que vemos. Tem artesãos e estilistas que produzem roupas, laços, adês, capacetes, colares e adereços dos mais variados tipos.

No nosso candomblé tem inclusão. Tem gay, lésbicas, heteros, bis, trans. Tem bandido e tem polícia. Professor e analfabeto. Estudante, vagabundo, maconheiro, caloteiro. Costureira, operário e faxineira. Tem surdo, manco, autista. Tem pobre, e quase não tem rico. Tem branco, preto, mestiço. Velho, jovem e criança. Casado e solteiro. Avó, tia e primo. Tem gente de todo jeito convivendo, compartilhando, cantando e dançando. Pedindo benção e abençoando. Gente que cuida dos filhos dos outros como se fossem seus.

 No nosso candomblé, a senhora que de dia é doméstica em casa de branco rico, a noite no terreiro é rainha, com súditos que batem cabeça no chão, em sinal do mais profundo respeito.

 No nosso candomblé é o lugar onde qualquer pessoa é sagrada, pois carrega em si um ancestral. Um Orixá sagrado que vive no canto, no prato, na pedra, no mato, no vento, no gesto dançado, no tempo que passa e na memória que fica.

 O nosso candomblé é o que há de mais completo em tudo que tem de bom em ser gente. Natureza, família, humildade, união, tradição, coletividade, comunhão, arte, cultura, fé, devoção. Tudo é o que é. Tudo isso é o Candomblé.

Caridade e Candomblé

No Candomblé não tem "de graça" e caridade é rito só em agosto. O resto do ano é rotina opcional de acordo com seu caráter. 

O asé, ou axé, é FORÇA. Força de espírito, boa saúde, vitalidade, o que move a vontade e todas as coisas que se movimentam no mundo. 

O dinheiro é asé porque vem do seu suor (ou do suor de alguém). O trabalho é asé, o esforço é asé. Qualquer esforço é asé.  

A comida é asé. Quando fazemos nossos Candomblés, ao final, quase sempre me emociono (dentro de mim, quietinho). 

Ver um "tantão" de gente, criança, idoso, gente que a gente nem  conhece comendo, bebendo e comemorando uma pós louvação com muita música e dança e asé. E quando sei que toda aquela comida e bebida eu ajudei a oferecer, com o meu a$é, eu sinto muito asé.  

Cada um que tá comendo, bebendo e sorrindo deu muito asé pra nossa casa quando cantou e dançou com fé aquele xirê. Cada um que cozinha, carrega, serve, limpa dá seu asé naquele Candomblé.  

Não existe caridade, não existe ostentação. É só espírito de comunidade que tem que ter todo Candomblé.

Subjetividade no conceito de Deus

Um fenômeno muito peculiar está ocorrendo no Brasil. Uma acelerada escalada de um fascismo neopentecostal nos poderes politicos e jurídicos. Religião e política se misturando na sua forma mais tóxica possível. 

E não há melhor antídoto para tal veneno do que o pensamento e o conhecimento.  

Falar sobre deus, religião e fé é necessário,  mesmo pra quem não tem. 

As discussões e concepções acerca de DEUS deveriam evoluir de um mero ponto de vista no qual DEUS é imagem e semelhança do homem, e atua com consciência sobre o mundo e sobre as pessoas, para outras formas de perceber isso.

 Por exemplo, muitas culturas religiosas consideram DEUS uma força cósmica que não necessariamente tem consciência, vontade. Deus é a própria essência do universo. É o próprio universo. E no universo não existe bem e mal. Existem forças opostas, que podem estar em equilíbrio ou não.

 E quem estabelece esse equilíbrio são as próprias forças e não Deus. DEUS, então, não é a representação do bem. É a representação da existência das coisas. Da vida, da energia universal. Deus, Adão, Eva, a Maçã... mitologia. Riquíssima, valiosa. Mas mitologia.
 Eva é a contestação da autoridade em pessoa. A própria Anarquia. Deus o Todo Poderoso só o é por monopolizar o o Conhecimento. Adão é o servo obediente. A maçã o próprio conhecimento (poder de Deus). 

Tudo isso é uma concepção (hebraica) riquíssima da essência das relações políticas e culturais que tem como alicerce poder e conhecimento, que no fim são as mesmas coisas.

Quaresma e macumba

Na cultura afro bantu/iorubá original não tem quaresma. Só que no Brasil já se passaram 500 anos de sincretismos afroindígenacristãos. Então é natural que tenha surgido diversas relações entre a macumba e a quaresma. 

No Candomblé de nação, com o Xirê dos Orixás e os atos e festas anuais próprias, a quaresma não exerce quase nenhuma influência. Já nos cultos da Umbanda, nos encantados e guias, há sim bastante influência pq essas entidades são resultado justamente dessa espiritualidade sincrética que envolve o catolicismo. 

Por exemplo, no culto da Umbanda se divide as entidades entre esquerda e direita. As entidades de esquerda são relacionadas à Exú, que por sua vez é sincretizado com o Diabo cristão. Daí ocorre que o culto aos Exús e Pomba Giras (seria então a versão feminina dessa entidade Diabo) se expande e se estende como um contraponto espiritual na religiosidade sincrética. Eu quero dizer que no Brasil existe um certo "culto ao Diabo" na figura dos Exús e Pombo giras por aí. Procura no Google "gira de Exú", e vc verá tridentes, fogo, cartolas, charutos, capas de de vampiro, corpetes e decotes da era vitoriana, e toda uma estética muito mais europeia gótica vampírica do que de fato uma estética afro. (Salvo as devidas proporções e variações disso) 

E não tem nada de errado com isso. É a cultura, ela é livre e o sincretismo também.   

Mas e a quaresma? Então. 

A quaresma é o período em que o Diabo tá atentando Jesus, o período que essa força tá solta na terra. Período de se fazer penitências da carne, do corpo. ( de acordo com rasas interpretações das metáforas bíblicas). Aqui no Brasil, no universo do sincretismo afro-brasileiro, muitos adeptos dos Exús e Pomba Giras dedicam cultos, homenagens e oferendas. E essa relação não é necessariamente consciente e objetiva. Ela acontece culturalmente, sem muita lógica ou planejamento teórico conceitual. Só acontece, assim como muitos outras expressões cristãs muito próprias das macumbas brasileiras. 

E tem pra todo lado nesse brasilzão. Tem curiosidade procure pelo terreiro mais perto de sua casa e se informe quando será a "gira de esquerda". É muito interessante, e a energia intensa. 😉👌🏹

O medo da macumba

A inteligência afro-brasileira fez do medo e da ignorância uma defesa. 

Assumir o culto à Exú como culto ao Diabo afastou muito capataz, sinhô e sinhá de senzalas e quilombos pelo Brasil afora. 

Tem uma cantiga que diz: 

Preto Velho feiticeiro
No tempo da escravidão 
Quando alguém batia nele 
Quem sentia era o patrão

Ah sim. As pretas e pretos mandingueiros, rezadores, curandeiros, parteiras metiam medo até nos coroné! Isso foi ruim, mas também foi conveniente, pois afastou e protegeu muita gente. Quantas crianças filhas de coronéis essas pretas mandingueiras salvaram ao longo de 400 anos? Quantos problemas de ordem de saúde e de ordem espiritual essas pretas e pretos mandingueiros resolviam no seu cotidiano também para os brancos? Era um medo misturado com respeito, muitas vezes. 

Um medo e, às vezes respeito, que afasta pessoas moralmente perigosas e ignorantes de nossa vida. 

Quem é macumbeiro assumido sabe como é. Aquele receio alheio no ar. Um medinho de ter um nome bem amarrado na boca de um sapo estampado naquele olhar ressabiado, ainda mais quando é crente que sorri fingindo que entende, e cochicha consigo mesmo, "tá amarrado". 

E quando o macumbeiro vem de família de católico ou crente, que a fofoca mais quente vai passando de cochicho em cochicho de parente em parente que quando encontra com a gente finge que não sabe nem entende. 

Tem um ou outro que pergunta, pede um banho, até um trabalho pra aparecer um xamego, mas sempre de canto, assim 🤫🤫🤭 como se fosse aquele segredinho nosso, que na falta de fé não se tem nada a perder já que a macumba tem esse trem de feitiço e poder. 

A gente macumbeiro, nem para pra reparar, mas vira e mexe acontece de sentir aquele medinho no ar. 

E o bom de ser macumbeiro assumido que é um repelente natural de gente intolerante, que evitam estar perto de vc e te convidar pra coisas que vc não gostaria de ir. E isso te poupa de muitas fadigas. Pq "se gente preconceituosa enrustida voasse, não se veria a luz do sol." 

Então se você é desses que quer distância de gente escrota se assuma macumberxs. 

Só não seja um macumbeiro escroto!

Exú e Loki

Sabia que Loki tem a ver com Exú?

Loki é o Deus da mentira, da astúcia, da ilusão. 

A série da Disney coloca Loki como alguém que defende o livre arbítrio acima de tudo. Ele quer provar que ninguém controla tudo. Que as escolhas é que determinam o futuro. Ou deveria ser. Como pode alguém, ou um grupo de seres controlar exatamente tudo? 

Isso é inaceitável. 

Loki tem um símbolo mitológico filosófico bem peculiar e ao mesmo tempo recorrente em outras mitologias. 

Exú tem semelhanças com Loki.

 Exú, na mitologia dos orixás, é que desafia a ordem estabelecida, é quem testa os limites das pessoas, é quem prega peças pra provar que ninguém controla tudo, nem mesmo (um) Deus. Loki faz isso. Desafia a ordem estabelecida. Desorganiza a realidade, tal qual qualquer mentira.

 Loki se vê como único Deus capaz de realmente governar o universo pq percebe que é o único que enxerga as coisas com a objetividade e a frieza necessária. 

Loki não aceita o conforto da ilusão. Não concorda com ideia de que a ordem deva prevalecer sobre a liberdade da escolha

Mesmo que essa escolha leve à autodestruição, foi escolha. 

É a narrativa oposta à causa de Thanos, que com as joias do poder exterminou metade do universo aleatoriamente, justificando os meios com a finalidade do bem maior. 

Desfazer o que Thanos fez é justamente dar a oportunidade pras pessoas decidirem sobre seu futuro. Mesmo que as pessoas possam se destruir elas devem ter a opção de escolha, de acordo com a narrativa. 

Loki desorganiza a linha do tempo. E torna o universo aleatório, de acordo com cada escolha, de cada pessoa, as linhas do tempo vão se ramificando. E assim os destinos não são traçados por ninguém, mas sim consequências das ações e livre-arbítrio de cada um. 

O que é melhor? Ordem e harmonia sustentados pela ilusão de liberdade ou liberdade real e plena mesmo que isso custe a existência da ordem e harmonia no mundo? 

E ainda tem gente que acha que isso é coisa de criança.

Exú e Lúcifer

O Diabo, ou Lucifer, não aceitou a autoridade inquestionável de seu pai. Não aceitou que tudo fosse exatamente ordenado pela vontade de Deus. 

Exú não aceitou que as coisas fossem criadas exatamente conforme a autoridade de Olodumare.  

Lucifer atentou Eva a desobedecer e comer a maçã, que dava acesso ao conhecimento, tudo o que Deus não queria.  

Exú atentou Oxalá a se embriagar de vinho de palma que perdeu então o saco da Criação pro seu irmão Odudwua. 

Lucifer foi expulso do paraíso. Exu "não se mistura" com os outros Orixás. (O culto é meio que em momentos e lugares distintos dos outro orixás.

Exú e Lucifer testam os limites humanos. Testam a moralidade, desconstroem conceitos de certo e errado, não aceitam a ordem estabelecida. 

Eles são bem parecidos.

Exú é cultura.

Vou contar uma curiosidade histórica macumbística.

Quando as pessoas africanas escravizadas perceberam o medo enorme que os brancos tinham de um tal de diabo, capeta, satanás, demo.... entre outros nomes, percebeu-se que isso poderia ser usado a favor, como forma de proteção. Então não era incomum que benzendores e benzedeiras, rezadores, as mães de santo, etc, assumissem alguma ligação ou pacto com esse tal aí que eles tanto temem. As vezes não negar o tal "pacto" já era uma forma de assumir e manter os tementes ao demo bem longe.

E na concepção africana de bem e mal, temer o demo como a força maligna universal não fazia e não faz sentido algum. pois não há força suprema nem do bem nem do mal. há forças diversas em dialética, oscilando em busca de equilíbrio. 

É curioso também que Lúcifer seria um dos grandes anjos, filhos diretos de Deus e atrapalha a criação do mundo e da humanidade, contestando o próprio Deus, assim sendo atribuído ao mal.

 Pois bem, na mitologia iorubá, Exú seria um dos filhos de Olodumáre que atrapalha os planos de criação do mundo e dos homens, desafiando a ordem. 

Macumba é cultura.

Sobre Sacrifício

O sacrifício está em todas as metáforas de todas as religiões. Antigamente de forma literal, muitos povos sacrificavam animais e escravos. E existiam os sacrifícios voluntários também. Pessoas se davam em sacrifício (Não é tão absurdo se pensarmos no jihadistas). Há evidências disso. 

Mais tarde muitas metáforas da cultura humana tratou do sacrifício. Aquele ato onde vc abre mão de algo valioso (filho, mãe, inocentes) por algo que VOCÊ acredita ser maior (religião, política, inocentes, filho ou mãe).

 Abraão quase matou o próprio filho. É a origem do Judaísmo. 

Deus deixou que matassem seu filho. É a origem do cristianismo.
Na bíblia o que mais há é história de sacrifício todas as pessoas boas sofrem. 

O budismo sacrifica a vontade (conheço pouco), mas sei que o constante desapego e eterno desapego das necessicdades imediatas por uma vida de meditação é um dos princípio básicos.  

Agamenon sacrifica sua filha antes de ir para a guerra de Tróia.

Stenis Barathian sacrifica sua filha antes de partir para a guerra contra lorde Balduin. (Game of Trhones).

Thanos sacrifica Gamora pela pedras do poder. Ainda Thanos sacrifica metade da vida no universo para salvar a outra metade (tipo os fins justificam os meios lá do Maquiavel).

O sacrifício é a causa maior que dá sentido a vida. O sacrifício é vc abrir mão de algo que vc tem, de uma situação de vantagem e conforto em prol de outra pessoa, ou em prol de uma causa. 

No plano da metáfora filosófica, religiosa ou existencial o sacrifício é lindo. É uma busca necessária. Aplicar doses de sacrifícios para que a vida faça sentido. 

No plano social o discurso do sacrifício é um desastre. É o ópio do povo. É a romantização do sofrimento e da desgraça que escraviza pessoas ignorantes e manipuláveis pela própria condição de pobreza e semi escravidão. O sacrifício de muitos pra benefício de alguns é a realidade mais nua e crua que existe. E o poder da retórica, da oratória e do monopólio da palavra e da opinião faz com que as pessoas aceitem a pobreza e o sofrimento como um tipo de sacrifício que já vem com o consolo que depois da morte há de ficar tudo bem.

Culto Consumista: A Cultura de Consumo no Culto aos Orixás

As tradições africanas que são reproduzidas nos cultos afro-brasileiros dos Candomblés preservam muitos ritos milenares, como por exemplo, o sacrifício e as oferendas. Tais práticas sempre foram comuns em muitas e diferentes religiões. A oferta espiritual de alimentos para energias não materializadas representa uma canalização de energia. Os alimentos são carregados de energia vital. E oferecer essas energias à entidades espirituais é fortalecer, “alimentar” a harmonia entre o indivíduo ou grupo que cultua com a própria entidade.
O vinho e o pão da liturgia cristã têm o mesmo significado. O sacrifício a que Jesus se submeteu é representado pelo sangue e o corpo à qual alimentam a alma dos fiéis. É, simbolicamente, um tipo de sacrifício que se ritualiza nas missas e cultos cristão. Oferece-se aos fiéis a energia vital e espiritual de Jesus.
No Candomblé a essência dos sacrifícios e das oferendas, como já mencionado, está na energia vital, tanto do alimento vegetal quanto do sangue animal. Um alimento, ou mesmo a vida de um animal, que é oferecido ao Orixá contém uma intensa e complexa carga de energia vital, que, complementada com os devidos orikis e adurás (rezas faladas e cantadas) adquirem um poder sem medidas. São ensinamentos transmitidos e reproduzidos há milênios.
Um dos maiores tabus que a religião enfrenta perante a sociedade é a questão do sacrifício animal. Genericamente associado às feitiçarias e maldade, o sacrifício animal levanta duas graves questões: a prática irresponsável por parte dos terreiros e o desperdício de alimentos. A primeira questão é o comum questionamento: mata-se para fazer o mal? Quando se submete o sangue vivo de um animal a um determinado fim acontece uma canalização de energia para a realização de tal fim. E esse fim pode ser positivo ou negativo. Quem implanta o mal, ou o bem, é o sentimento humano e não o Orixá. Tal questão envolve a responsabilidade ética do praticante e sua moral perante o que é certo e o que é errado. Qualquer oração, devoção, “simpatias”, feitiços, rezas são formas de canalizar energias para um determinado fim. Assim como é possível se matar um animal para o mal é possível se rezar um “terço” para o mal. Depende do coração e da mente do orador, do devoto.
Atualmente vivemos uma crise, uma completa distorção dessa tradição tão importante e poderosa dentro do culto aos Orixás no Brasil, o que nos remete ao problema em relação a sacrifícios e oferendas.
O consumismo ocidental de nosso tempo passou a permear as práticas das oferendas e dos sacrifícios praticados pela Umbanda e pelo Candomblé. É muito comum presenciarmos verdadeiros desperdícios e poluição em cachoeiras, matas e praias por parte dos adeptos dos Orixás. Garrafas, pratos, vasilhames de todos os tipos deixados na natureza, contendo quilos e litros de alimentos e bebidas que são oferecidas aos Orixás. Despachos em sacolas plásticas. Sabonetes, pentes, espelhos, perfumes e xampus deixados a esmo. Ebós com quilos e quilos de comida. Praticantes que enxergam na quantidade a qualidade e força da louvação. Pessoas que não tem consciência de que o local mais sagrado para essas religiões é a própria natureza, e daí a importância do cuidado a ela. Enquanto tanta gente passa fome no mundo todo, quilos e quilos de alimento são desperdiçados pelos candomblecistas e umbandistas sem consciência da essência de sua própria religião. Como os Orixás vão abençoar o desperdício de alimentos e poluição de seu principal e mais sagrado templo.
Em orôs (sacrifícios) de iniciações e obrigações, matam-se inúmeros animais, inclusive silvestres como tartarugas, cobras, faisões, lagartos. Matam-se animais que não se come. E mesmo, em muitos casos, os animais comuns de alimentação como frangos e cabras não são consumidos. Quilos de carne são despachados com a idéia de que o Orixá irá comer.
Aos praticantes é necessária a compreensão de que a essência da oferenda é a reza, a fé, e que o alimento e a bebida são símbolos. Os Orixás se alimentam da energia cósmica, vital e imaterial desses elementos. Tais produtos carregam a energia vital em sua essência e não em sua quantidade. 5 quilos de feijão preto não agradarão mais que 100 gramas. 100 gramas com fé, com respeito e coração, agradarão muito mais do que 5 quilos, sem coração e fé. Uma iniciação com uma angola e dois frangos não é menor do que com um boi, quatro cabras e 16 frangos. Mal sabem os adeptos que o sangue mais importante da religião é o das folhas. Não se inicia ninguém sem folhas, mas com apenas um animal é possível. Depende muito mais do domínio litúrgico sobre atos e rezas do que da quantidade de comida e de animais. É, até mesmo, uma falta de respeito aos próprios Orixás desperdiçar tanto alimento em seu nome.
Não é necessário sacrificar vários animais, principalmente exóticos como tartarugas, faisões, cobras, lagartos, para o iniciado ser realmente iniciado. Inclusive, em muitos casos se matam animais sem se saber as devidas palavras. Sem utilizar as devidas folhas.
Quantidade não é qualidade. E como já mencionado, existem terreiros, casas, centros que rezam as oferendas e depois jogam fora. Despacham quilos e quilos de carne, frutas e comidas em geral que poderiam ser consumidas pelos próprios praticantes, ou mesmo doadas. Mas são desperdiçadas com o nome de despacho.
Muitos praticantes do Candomblé e da Umbanda sofrem de um mal que precisa ser superado. Esse mal se chama ignorância. Falta de conhecimento e consciência sobre a essência da própria religião.

O preceito no Candomblé


Pra praticar o Candomblé é preciso cumprir preceitos. Vários tipos. Alimentos, sexo, roupas, cabelo, ambientes, álcool. E varia de acordo com o orixá, a casa e a pessoa que te inicia. As regras são variáveis e flexíveis de acordo com o entendimento e gestão do saber do líder, pois o Candomblé não tem uma base escrita objetivamente pra nada. Cabe a quem se apresenta como sacerdote ter ética, responsabilidade e conhecimento que comprove seu notório saber de sacerdócio.  

Mas quem fiscaliza se a pessoa que inicia cumpre os preceitos ou não? O que acontece quando não se cumpre os preceitos? Quais são os níveis e intensidades dos preceitos corretos, de acordo com a tradição original? 

Difícil responder isso. Tem irmão que fiscaliza o outro pra fazer ejó. Tem quem fiscaliza pra por na rede social e falar mal. Tem quem cumpre o preceito só na frente dos outros, ou na frente do pai de santo. Tem quem nem liga muito por que não considera tão importante quanto a roupa importada da Nigéria. 

O que dá pra entender e estabelecer é que o preceito, seja ele qual for, é um compromisso ético de você com você mesmo, com seu ori, seu Orixá, sua consciência e seu axé. 

Todo preceito do Candomblé tem seu significado, seu sentido, seu contexto. E cabe aos praticantes do Candomblé compreender o sentido dos preceitos pra cumprir de própria vontade. E quando entender esses significados for difícil, você pode apenas confiar na pessoa que você escolheu pra cuidar de seu ori, e cumprir o preceito, como deve ser. 

Se abster, evitar aquilo que lhe traz conforto e satisfaz desejos, evitar alimentos prazerosos demais que quase sempre prejudicam o corpo, saber impor limites ao próprio impulso e desejo sexual, tudo isso, dentre outras coisas, são formas de exercitar o ori, a mente, as emoções, o corpo. E isso é exatamente a espiritualidade. A busca do equilíbrio de si com si, de si com seus ancestrais, com seus protetores, de si com os Orixás, de si com a natureza, de si com Deus/Zambe/Olodumáre/Alá. Não existe exercício de espiritualidade sem alguma disciplina. 

Preceito é importante.

Igreja e terreiro: algo em comum?

 Sobre igrejas neopentecostais  e religiões  de matriz africanas

 Tenho sempre pensado muito nas  semelhanças estruturais, no sentido social e comportamental, entre igrejas neopentecostais e terreiros. 

Há diversos aspectos em comum, positivos e negativos. 

Espaço geográfico urbano e periférico;

 público alvo,;

discurso de prosperidade e felicidade pautados em bens e aparências;

comercialização do sagrado;

Fé como caminho para conquistas imediatas materiais e emocionais;

Semelhanças também positivas como:

o acolhimento de minorias e indivíduos em situação de abandono social e familiar, 

ações de caridade e organização de comunidades.

IIniciativasde de produção e criação de arte e cultura a partir de seus respectivos valores. 

Todo mundo que é periférico e está na universidade, na ciência e no ensino deve dar atenção a essa questão, seja essa pessoa de igreja ou de terreiro. 

É algo que  precisa ser estudado e debatido com um olhar de formação da civilização brasileira,  "civilização" esta predominantemente periférica.

Oxum é mãe do amor

 Oxum é mãe. Mãe do amor, do ciúme, da sensualidade misteriosa, da maternidade altruísta. 

Oxum é a identidade de um país que se impõe patriarcal, mas que de nada seria se não fossem as tetas pretas que apesar dos abusos dava o leite, o afeto, o limite, o saber pra toda criança branca e mestiça nascida parida da sinhá ou de filha forçada pelo menino que ela ajudou a criar. 

Oxum é mulher matriarca, rainha, guerreira, esposa, mãe ancestral trazida à força e renascida em rodas, giras, xirês, senzalas, quilombos e periferias. 

Oxum é o ouro que brilha e reluz como espelho, que no mês 5, o mesmo mês das mães consumistas cristãs do ocidente, se toca o ijexá em todo centro e terreiro que tem nessa terra de tanta gente que decende de Oxum, a mãe do amor que se derrama em toda gente.

Candomblé está em crescimento

 O Candomblé é uma religião ainda em construção, em expansão. Pra quem não sabe, os terreiros de Candomblé de nação Ketu, no formato que vemos hoje, foram constituídos na transição do Séc XVIII pro XIX. O primeiro terreiro, oficialmente reconhecido por autordades públicas e acadêmicas, com autorização formal para existir, foi a Ilê Asé Yá Nassô Oká, ou Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, Bahia, na década de 1830, outro dia mesmo. Menos de 200 anos. 

Observe: já havia todo tipo de religiosidade africana no Brasil, porém de matriz Bantu. Assim como os sincretismos afroindígenacristãos, com uma diversidade imensurável. 

O povo Iorubá, que traz a cultura dos Orixás, chega aqui tardiamente. E eram, inclusive mal vistos pelos bantus que aqui estavam. E recebiam uma denomicação pejorativa, que representava certo desprezo e rancor do povo de origem bantu em relação aos Iorubás provenientes do Império de Oió. Os Nagô. A gente nagô, é a gente iorubá proveniente do Império de Oió, que outrora escravizava e comercilizava seus vizinhos de matriz, que já estavam aqui.

A extrema direita neopentecostal e as demandas da população de comunidades de terreiro

Desde sempre a extrema direita cria demônios e inimigos fictícios pra mobilizar as pessoas pra um espiral de obediência cega e fanatismo religioso intolerante. E a nova extrema direita brasileira tem sua essência neopestecostal que se organiza e toma espaços de poder às custas dos votos motivados e mobilizados por discursos de ódio. É notório que o "monstro" fictício da extrema direita é objetivamente a "macumba". Ou seja, as religiões de matriz afroindígena são o principal objeto de ódio que é instrumentalizado para unir as pessoas em torno de um inimigo em comum: "a macumba". Num fenômeno sócio-cultural bem complexo, a extrema direita neopentecostal, que também é bolsonarista, cria o pânico moral na mente das crianças e jovens que frequentam igrejas, em torno do "medo da macumba". A essência do "eu e outro". Do povo de Deus e do diabo". Na periferia, onde brotam igrejas em cada esquina, também resistem comunidades de terreiro aos trancos e barrancos. Sem dízimo, sem isenção de imposto, sem verba. Na mesma escola que estudam crianças neopentecostais que crescem sendo estimuladas pelo discurso de ódio, também estudam crianças umbandistas e candolblecistas. Na sala de aula não damos conta de remar contra essa maré ódio. São estímulos muito fortes e de todos os lados, que também potencializam e são potencializados pela crise cognitiva de falta de interpretação de textos, falta de noções básicas de ciência e de ética. Ensinar amor em uma sociedade que ensina ódio é uma tarefa muito difícil. .... É urgente que candidatos progressistas de todos os partidos observem esse fenômeno que ameaça a existência de culturas e identidades regionais e nacionais. Fora o estrago psicológico, assim como riscos de vida que uma sociedade intolerante pode gerar em indivíduos. É preciso lutar por uma pauta que inclua: 1. Espaços públicos para eventos, cultos públicos, festivais e oferendas. Atendendo demandas de ordem ambiental, gerando renda e emprego para tal comunidade que produz e consome uma grande variedade de mercadorias próprias. 2. Formação em GCMs e agente públicos para lidar com conflitos que envolvem comunidades de terreiro, tal como barulho, direito de culto público, denúncias e outros. Obs. Agente de segurança neopentecostais tendem a agir de forma parcial e truculenta em casos dessa natureza. 3. Incentivo fiscal e jurídico para regulamentação de comunidades de terreiro, como isenção de IPTU, e outros impostos. Comunidades de terreiro são locais de acolhimento social, cultural, psicológico. São núcleos que formam famílias com pessoas sem família. São avós solteiras, viúvas, com crianças, casais e pessoas lgbts, crianças criadas e famílias formadas em um universo cultural que é dominado por pessoas que cada vez mais ampliam suas bancadas e o alcance de seus púlpitos. A população de religiões de matri afroindígena corre risco de agressões, humilhações, bulliyng e até morte, constantemente. Essas são algumas das demandas que a população de terreiro necessita que alguém represente eu seus mandatos. Atenciosamente.

Neopentecostais: uma força anticultura

 Existe uma força anticultura e fundamentalista que vem cometendo um verdadeiro atentado ao direito à identidade cultural de todas as crianças e jovens provenientes de comunidades de terreiro, especialmente dentro do ambiente escolar. 

Em toda sala de aula, em qualquer escola de periferia de cidade grande, existem crianças provenientes de famílias umbandistas e candomblecistas. E elas se escondem o máximo que podem pra não sofrer o escárnio público em forma de bulliyng. 

As crianças provenientes de famílias evangélicas neopentecostais, chegam na escola com medo subconsciente da macumba e dos macumbeiros. Tambor, capoeira, mitologia africana, pano colorido.... pra eles é macumba. E dá medo. E nem é por mal. Eles são ensinados. Por seus pastores, pais e mães. 

Enquanto isso, todos os dias vemos pastores presos, investigados e denunciados pelos mais absurdos crimes. 

Isso precisa de um freio. O estrago mental que essa gente neopestecostal está causando é terrível. Difícil de combater e de lidar. E o pior, ele ceifa, ameaça e oprime a identidade cultural de outras pessoas, outras crianças. Comprometem sua autoestima, sua autonomia, sua socialização.  

Algo precisa ser feito contra esse discurso de ódio organizado e sistematizado nos púlpitos pelo país afora.

Identidade cultural e comunidades de terreiro

 Tem muito adolescente buscando identidade e espiritualidade na macumba. Identidade estética, liberdade de gênero, pertencimento. Há um enorme valor simbólico, e muito misticismo sobre a incorporação. Quando uma pessoa que passa a vida ouvindo falar que macumba é do mal, vai no terreiro e vê as pessoas incorporando, a abraça uma entidade e essa entidade lhe diz algo que ela precisa ouvir, ou algo que não tinha como alguém desconhecido saber sobre vc, isso causa uma impacto imenso. Um choque de cultura, de concepção religiosa, e desperta grande desejo nas pessoas de praticarem aquilo. 

Só que 😒 existe uma tradição hierárquica de etapas, tempo, cargo, regras, preceitos que causam o efeito rebote em muitas pessoas. 

A juventude que não cresce em terreiro, que chega na macumba adulto ou quase adulto tem grande dificuldade de lidar com complexidade hierárquica que é própria das macumbas todas (umbandas, candomblés e etc). Além disso, os conceitos de liberdade de gênero se misturam com uma hiperssexualização do comportamento atual, e os terreiros e suas hierárquias acabam sendo afetados por constantes casos, namoros, romances, traições, intrigas, fofoca, ciúme, vaidades etc... 

É um fenômeno que precisamos tentar compreender e lidar com ele. Não apenas reclamar e criticar que "no meu tempo era assim, era assado". Os terreiros tem que acolher todos que quiserem se encontrar na macumba e ter pedagogia pra lidar com isso. Cultura e comportamento não se controla, é preciso adaptar.

Comunidades de Terreiro são espaços civilizatórios

 A vivência em comunidade de terreiro propõe uma forma própria de civilidade. 

Uma relação comunal e hierárquica ao mesmo tempo. 

Comunal quando há a partilha e colaboração para o funcionamento e presença de todos, nas mesmas condições. Ou seja, numa comunidade de terreiro todos comem, bebem, dormem e partilham os espaços, sem necessariamente ter que se pagar por isso, ou se valer de vantagens individuais pra conforto. Mas todos os que podem colaborar o fazem, na medida daquilo que pode, e assim a comunidade existe. 

Hierárquica quando se trata de uma organização de funções, tarefas, obrigações e restrições baseadas no tempo de vivência. Na experiência daquela tradição. 

Na doutrina do Candomblé há uma fase fundamental de abstenções. É uma fase de aprendizagem pela observação, pela escuta e pela disciplina, em tese. Digo em tese pois, nem todo mundo que se inicia na doutrina do Candomblé, pratica e cumpre com responsabilidade os preceitos do Candomblé, o tempo adequado para se alcançar os degraus da hierarquia baseada na vivência.  

Candomblecistas são como cristãos as vezes. Nem todo mundo que diz ser cumpre aquilo que se aprende na doutrina que frequenta. 

A vantagem é que o Candomblé é super Tolerante em muitos aspectos. Quem não cumpre as regras, preceitos, obrigações, responsabilidades, restrições e disciplina que a doutrina propõe, ainda assim poderá estar lá. Frequentando sem ser julgado como alguém que será castigado. No máximo a comunidade vão fazer aquele ejó natural de comunidades. Isso significa que quando a pessoa escolhe se iniciar na doutrina mas não cumpre o tempo, a disciplina, as fases dessa doutrina, o problema é só da pessoa, do axé ou da falta de axé dela.

Candomblé é pedagógico e civilizatório.

Oxossi é Odé

Sou aquele que atira e acerta

Que não precisa de outra flecha.

Sou aquele enfeitiçado

De chá de ervas

Encantado pelo mistério

Pelo saber da floresta

Pelo corpo, sangue e suor

Do senhor dono do segredo.

Sou o irmão do Oní

Carrego flecha e faca

Abro trilha que depois vira estrada.

Caço, mato e não como.

Pois primeiro quem come é meu povo

Pois fome nunca hão de passar

Nem o velho e nem o novo

Sou o piado do gavião

A revoada de bicho no alto da serra

O bote da cobra

A unha da onça

Sou a certeza do tiro certo e certeiro

Sou a fartura de comida na mesa

Sou o caçador que a tudo espreita

E quase não sabe esperar

Que nunca está satisfeito

Sou a curiosidade e a teimosia

De quem nunca se sacia

De uma sede de saber

E de fazer tudo que der

Como se o mundo fosse meu querer.

Sou pedra viva

Otá de cachoeira

Sou o sangue que corre na terra

A carne que enche a panela

E garante que toda gente

Essa noite vai ter o que comer.

#oxossi #caboclo #culturaindigena

#odé

Ogum não é São Jorge

Sobre São Jorge e Ogum - 23 de abril

Ogum não é São Jorge. Mas é. 

Na senzala tinha que ser. 

Na memória passa a ser. 

Na fé basta ser. 

São Jorge e Ogum são dois. 

Mas também são um. 

Jorge, nascido na Capadócia, leste europeu, viveu na palestina, terra de Jesus dominada pelo império Romano. Por sua habilidade, coragem e inteligência se tornou militar romano e cresceu na função. Chegou e ser guarda pessoal do Imperador Diocleciano, no final do século III d.C. Com a morte de sua mãe, desconsolado doa toda sua riqueza e seus bens aos pobres e se converte à fé cristã, algo que era proibido e considerado grave crime para um soldado romano nessa época. Imperador oferece poderes e riquezas para que ele renunciasse a Cristo. Ele não aceita. Por isso ele passa a ser torturado por longo tempo para renunciar, e ele não renuncia. Acaba sendo degolado no dia 23 de abril de 303 d. C., pelos romanos por sua fé cristã pra memória do mundo ocidental como um Santo Guerreiro, trazido pro Brasil pelo catolicismo popular dos portugueses pobres. 

Ogum foi um dos descendentes e generais de Oduduwa. Ajudou na expansão do reino de Oduduwa, aproximadamente no séc. X ou XI. Governou a cidade-Estado de Irê. Também chamado de Onirê (rei de Irê), ou Gu em outras regiões. Foi grande líder e contribuiu na formação da Iorubalândia, região formada por diversas cidades governadas pelos descendentes e aliados de Oduduwa, que marca a grandeza da civilização Iorubá, que mais tarde dá origem ao Império de Oió, que era governado por Xangô. Ogum era famoso por sua competência, autoridade e grande bondade para com os súditos. Porém em um acesso de fúria ele mata muitas pessoas de sua corte de forma cega e impulsiva. Dizem os mitos que seu arrependimento foi tão profundo que estremeceu o chão, e a terra o tragou para dentro de si. Talvez ele simplesmente tenha sumido no mundo, abdicando de sua coroa e de seu poder pelo arrependimento. Mas, na memória de seus descendentes ele virou Orixá. Orixá Guerreiro que deu força e fé ao povo negro que ainda iria lutar e resistir muito contra a fúria da escravidão.

O que tem na macumba?

Antes do xirê tem ebó 

Tem orô e bori 

Sassanha pra tomar maianga

Tem perfuré antes do rum de babami

O paó é antes e depois 

Padê de Onam despachado na porta com omi e otim não pode faltar

Adjá, inam, enin pra rezar babalaxé 

Abian de surrão porque nem tudo pode ver

Iaô de erê pra dar os ossé nos oberós e nos ibás

O xére, só pra egbome, quando sobe no ilê faz todo mundo ir ao ló

E é aí que ogan é Ekede tem que dar conta de puxar e responder aduras e orikis 

No aguerê, no bravum e na vamunha 

Não pode parar o rum, o rumpi e o lê. 

#candomblé #orixás #culturaafrobrasileira #comunidadedeterreiro

Candomblé não é magia

O Candomblé é um misterioso tabu para a maioria das pessoas que só conhecem de nome, de ouvir falar. As pessoas (muitas vezes até  umbandistas) imaginam que o candomblé é a mais profunda magia. Uma mistura de feitiçaria com possessão e transe. Muitas vezes, nós candomblecistas, somos vistos como pessoas com superpoderes, capazes de fazer mágicas.  Esse imaginário de bruxaria misturado com satanismo que prática rituais de sangue é o rótulo posto pela sociedade sobre o Candomblé.  

Candomblé não é magia, não é seita secreta, e nem confere super poderes a quem se inicia. 

O Candomblé é uma doutrina espiritual/religiosa que pratica o culto e a conexão com a natureza, com a ancestralidade e com o mundo não material. 

O Candomblé é o resultado histórico de um sincretismo que tem raízes na África e que se aprofunda nos quilombos, nas senzalas, nas periferias urbanas e "se organiza" como religião ao longo da lenta "libertação" de escravos nos entornos das grandes cidades como Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Recife. 

O Candomblé é também uma religião essencialmente feminina e feminista (apesar dos tabus de gênero existirem em sua prática). Mulheres alforriadas e nascidas livres foram responsáveis pela iniciativa de organizar um culto ancestral banto/iorubá.  Mulheres,  na maioria estreitamente ligadas à igreja católica (paróquias em bairros negros e irmandades de santos católicos de tradição  negra). 

O Candomblé é também uma religião social. Acolhia e alforriava negros fugidos ou libertos mas sem ter pra onde ir. As roças de candomblé acolhiam jovens solteiras grávidas, órfãos, pessoas lgbt. 

O Candomblé é um acervo imaterial de ritmos, cantigas e cânticos que preservam e misturam línguas Banto, iorubá, português e até vocábulos indígenas.  É um acervo de culinária, vestimenta, estética corporal.  

O Candomblé tem seus gestos e códigos de conduta.  Seus símbolos, sua mitologia e teologia com metáforas e personagens.  Tem sua ética e moral própria.  

#candomblé #lei10639 #consciência #orixa #culturaafrobrasileira

Iorubás são como gregos

Existe uma grandeza histórica no Candomblé que a gente precisa muito reforçar, especialmente na cabeça das crianças. 
Essa grandeza é que o Candomble é uma doutrina que preserva conhecimentos, tradições e visão de mundo de grandes e avançadas civilizações. Iorubás são como os gregos, com filosofia, numerologia, botânica, oraculos matemáticos, mitologias, personagens heróicos que erram e acertam como humanos, valores antropocêntricos. 
A língua banto é como o Latim. Uma língua mãe com dialetos e subdivisões culturais e étnicas, com diversidade e ao mesmo tempo similaridades entre todos os povos falantes da língua banto. 
O Candomblé não é só afro. Ele é afroindígena. Tupis e Guaranis também são como gregos e romanos. Civilizações com visão de mundo e formas de organização próprias. 
Os gregos e romanos são a base da civilização europeia, e isso aconteceu quando os cristãos passaram a valorizar a cultura greco-romana com o iluminismo. 
Talvez o dia em que nós brasileiros realmente descobrirmos a grandeza dessas civilizações que existem e resistem aqui, aí seremos uma civilização brasileira.

Abiku: morte, infância e ancestralidade

 Na cultura iorubá, que tá viva na macumba aqui, existe uma coisa chamada abikú. A tradução literal é junção das palavras que significam criança ou bebê (abi) e morte (ikú). 


Uma pessoa abikú seria alguém que não tem o destino de crescer, é como se fosse uma alma que tem a missão ou destino apenas de nascer e viver um tempo curto. 

A existência desse espírito, dizem os antigos, tem a função de passar pela vida material para cumprir seu papel na existência da comunidade, e que até o sofrimento pela perda faz parte do processo evolutivo espiritual dos pais, família e comunidade. 

É por isso que existe na macumba essa entidade criança. Os erês, ou vunges, ou Cosme e Damião. Todas são representações dessa entidade que é a criança por si só. 

E nos caso da incorporação e culto ancestral desses espíritos, os erês que trabalham na mediunidade são crianças que continuam a cumprir sua missão, ou seu destino ou seu odu na dimensão espiritual. 

Na espiritualidade afro indígena a morte, até de crianças, faz parte da existência, e é apenas parte dela. E essas entidades crianças carregam na sua força a potência da inocência, ingenuidade e sabedoria próprias da infância. 

A obrigação moral mais óbvia de qualquer adulto é cuidar e proteger qualquer criança. 

A revolução será feita quando aprendermos a cuidar de todas as crianças. 

Viva Cosme e Damião. Erê mi.


Educação antirracista

Muito se fala em educação antirracista. Muito mesmo. Virou até capital de currículo, marketing digital pra empresários e polítiqueiros da ed...