Compartilhando saberes, por Alan Geraldo. Professor de História, Candomblecista e escrivinhador.
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
o número 16 no Candomblé
Racismo Reverso
Quilombos e senzalas
domingo, 29 de setembro de 2024
Ubuntu é axé
Hierarquia e poder na sociedade de terreiro
Sobre desigualdade
Sobre comunismo, nazismo e morte
sobre Jesus
Mitologia brasileira
Por que evangélicos neopentecostais odeiam tanto as religiões afro?
Nosso Candomblé
Caridade e Candomblé
Subjetividade no conceito de Deus
Quaresma e macumba
O medo da macumba
Exú e Loki
Exú e Lúcifer
Exú é cultura.
Sobre Sacrifício
Culto Consumista: A Cultura de Consumo no Culto aos Orixás
O preceito no Candomblé
Igreja e terreiro: algo em comum?
Sobre igrejas neopentecostais e religiões de matriz africanas
Tenho sempre pensado muito nas semelhanças estruturais, no sentido social e comportamental, entre igrejas neopentecostais e terreiros.
Há diversos aspectos em comum, positivos e negativos.
Espaço geográfico urbano e periférico;
público alvo,;
discurso de prosperidade e felicidade pautados em bens e aparências;
comercialização do sagrado;
Fé como caminho para conquistas imediatas materiais e emocionais;
Semelhanças também positivas como:
o acolhimento de minorias e indivíduos em situação de abandono social e familiar,
ações de caridade e organização de comunidades.
IIniciativasde de produção e criação de arte e cultura a partir de seus respectivos valores.
Todo mundo que é periférico e está na universidade, na ciência e no ensino deve dar atenção a essa questão, seja essa pessoa de igreja ou de terreiro.
É algo que precisa ser estudado e debatido com um olhar de formação da civilização brasileira, "civilização" esta predominantemente periférica.
Oxum é mãe do amor
Oxum é mãe. Mãe do amor, do ciúme, da sensualidade misteriosa, da maternidade altruísta.
Oxum é a identidade de um país que se impõe patriarcal, mas que de nada seria se não fossem as tetas pretas que apesar dos abusos dava o leite, o afeto, o limite, o saber pra toda criança branca e mestiça nascida parida da sinhá ou de filha forçada pelo menino que ela ajudou a criar.
Oxum é mulher matriarca, rainha, guerreira, esposa, mãe ancestral trazida à força e renascida em rodas, giras, xirês, senzalas, quilombos e periferias.
Oxum é o ouro que brilha e reluz como espelho, que no mês 5, o mesmo mês das mães consumistas cristãs do ocidente, se toca o ijexá em todo centro e terreiro que tem nessa terra de tanta gente que decende de Oxum, a mãe do amor que se derrama em toda gente.
Candomblé está em crescimento
O Candomblé é uma religião ainda em construção, em expansão. Pra quem não sabe, os terreiros de Candomblé de nação Ketu, no formato que vemos hoje, foram constituídos na transição do Séc XVIII pro XIX. O primeiro terreiro, oficialmente reconhecido por autordades públicas e acadêmicas, com autorização formal para existir, foi a Ilê Asé Yá Nassô Oká, ou Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, Bahia, na década de 1830, outro dia mesmo. Menos de 200 anos.
Observe: já havia todo tipo de religiosidade africana no Brasil, porém de matriz Bantu. Assim como os sincretismos afroindígenacristãos, com uma diversidade imensurável.
O povo Iorubá, que traz a cultura dos Orixás, chega aqui tardiamente. E eram, inclusive mal vistos pelos bantus que aqui estavam. E recebiam uma denomicação pejorativa, que representava certo desprezo e rancor do povo de origem bantu em relação aos Iorubás provenientes do Império de Oió. Os Nagô. A gente nagô, é a gente iorubá proveniente do Império de Oió, que outrora escravizava e comercilizava seus vizinhos de matriz, que já estavam aqui.
A extrema direita neopentecostal e as demandas da população de comunidades de terreiro
Neopentecostais: uma força anticultura
Existe uma força anticultura e fundamentalista que vem cometendo um verdadeiro atentado ao direito à identidade cultural de todas as crianças e jovens provenientes de comunidades de terreiro, especialmente dentro do ambiente escolar.
Em toda sala de aula, em qualquer escola de periferia de cidade grande, existem crianças provenientes de famílias umbandistas e candomblecistas. E elas se escondem o máximo que podem pra não sofrer o escárnio público em forma de bulliyng.
As crianças provenientes de famílias evangélicas neopentecostais, chegam na escola com medo subconsciente da macumba e dos macumbeiros. Tambor, capoeira, mitologia africana, pano colorido.... pra eles é macumba. E dá medo. E nem é por mal. Eles são ensinados. Por seus pastores, pais e mães.
Enquanto isso, todos os dias vemos pastores presos, investigados e denunciados pelos mais absurdos crimes.
Isso precisa de um freio. O estrago mental que essa gente neopestecostal está causando é terrível. Difícil de combater e de lidar. E o pior, ele ceifa, ameaça e oprime a identidade cultural de outras pessoas, outras crianças. Comprometem sua autoestima, sua autonomia, sua socialização.
Algo precisa ser feito contra esse discurso de ódio organizado e sistematizado nos púlpitos pelo país afora.
Identidade cultural e comunidades de terreiro
Tem muito adolescente buscando identidade e espiritualidade na macumba. Identidade estética, liberdade de gênero, pertencimento. Há um enorme valor simbólico, e muito misticismo sobre a incorporação. Quando uma pessoa que passa a vida ouvindo falar que macumba é do mal, vai no terreiro e vê as pessoas incorporando, a abraça uma entidade e essa entidade lhe diz algo que ela precisa ouvir, ou algo que não tinha como alguém desconhecido saber sobre vc, isso causa uma impacto imenso. Um choque de cultura, de concepção religiosa, e desperta grande desejo nas pessoas de praticarem aquilo.
Só que 😒 existe uma tradição hierárquica de etapas, tempo, cargo, regras, preceitos que causam o efeito rebote em muitas pessoas.
A juventude que não cresce em terreiro, que chega na macumba adulto ou quase adulto tem grande dificuldade de lidar com complexidade hierárquica que é própria das macumbas todas (umbandas, candomblés e etc). Além disso, os conceitos de liberdade de gênero se misturam com uma hiperssexualização do comportamento atual, e os terreiros e suas hierárquias acabam sendo afetados por constantes casos, namoros, romances, traições, intrigas, fofoca, ciúme, vaidades etc...
É um fenômeno que precisamos tentar compreender e lidar com ele. Não apenas reclamar e criticar que "no meu tempo era assim, era assado". Os terreiros tem que acolher todos que quiserem se encontrar na macumba e ter pedagogia pra lidar com isso. Cultura e comportamento não se controla, é preciso adaptar.
Comunidades de Terreiro são espaços civilizatórios
A vivência em comunidade de terreiro propõe uma forma própria de civilidade.
Uma relação comunal e hierárquica ao mesmo tempo.
Comunal quando há a partilha e colaboração para o funcionamento e presença de todos, nas mesmas condições. Ou seja, numa comunidade de terreiro todos comem, bebem, dormem e partilham os espaços, sem necessariamente ter que se pagar por isso, ou se valer de vantagens individuais pra conforto. Mas todos os que podem colaborar o fazem, na medida daquilo que pode, e assim a comunidade existe.
Hierárquica quando se trata de uma organização de funções, tarefas, obrigações e restrições baseadas no tempo de vivência. Na experiência daquela tradição.
Na doutrina do Candomblé há uma fase fundamental de abstenções. É uma fase de aprendizagem pela observação, pela escuta e pela disciplina, em tese. Digo em tese pois, nem todo mundo que se inicia na doutrina do Candomblé, pratica e cumpre com responsabilidade os preceitos do Candomblé, o tempo adequado para se alcançar os degraus da hierarquia baseada na vivência.
Candomblecistas são como cristãos as vezes. Nem todo mundo que diz ser cumpre aquilo que se aprende na doutrina que frequenta.
A vantagem é que o Candomblé é super Tolerante em muitos aspectos. Quem não cumpre as regras, preceitos, obrigações, responsabilidades, restrições e disciplina que a doutrina propõe, ainda assim poderá estar lá. Frequentando sem ser julgado como alguém que será castigado. No máximo a comunidade vão fazer aquele ejó natural de comunidades. Isso significa que quando a pessoa escolhe se iniciar na doutrina mas não cumpre o tempo, a disciplina, as fases dessa doutrina, o problema é só da pessoa, do axé ou da falta de axé dela.
Candomblé é pedagógico e civilizatório.
Oxossi é Odé
Sou aquele que atira e acerta
Que não precisa de outra flecha.
Sou aquele enfeitiçado
De chá de ervas
Encantado pelo mistério
Pelo saber da floresta
Pelo corpo, sangue e suor
Do senhor dono do segredo.
Sou o irmão do Oní
Carrego flecha e faca
Abro trilha que depois vira estrada.
Caço, mato e não como.
Pois primeiro quem come é meu povo
Pois fome nunca hão de passar
Nem o velho e nem o novo
Sou o piado do gavião
A revoada de bicho no alto da serra
O bote da cobra
A unha da onça
Sou a certeza do tiro certo e certeiro
Sou a fartura de comida na mesa
Sou o caçador que a tudo espreita
E quase não sabe esperar
Que nunca está satisfeito
Sou a curiosidade e a teimosia
De quem nunca se sacia
De uma sede de saber
E de fazer tudo que der
Como se o mundo fosse meu querer.
Sou pedra viva
Otá de cachoeira
Sou o sangue que corre na terra
A carne que enche a panela
E garante que toda gente
Essa noite vai ter o que comer.
#oxossi #caboclo #culturaindigena
#odé
Ogum não é São Jorge
Sobre São Jorge e Ogum - 23 de abril
Ogum não é São Jorge. Mas é.
Na senzala tinha que ser.
Na memória passa a ser.
Na fé basta ser.
São Jorge e Ogum são dois.
Mas também são um.
Jorge, nascido na Capadócia, leste europeu, viveu na palestina, terra de Jesus dominada pelo império Romano. Por sua habilidade, coragem e inteligência se tornou militar romano e cresceu na função. Chegou e ser guarda pessoal do Imperador Diocleciano, no final do século III d.C. Com a morte de sua mãe, desconsolado doa toda sua riqueza e seus bens aos pobres e se converte à fé cristã, algo que era proibido e considerado grave crime para um soldado romano nessa época. Imperador oferece poderes e riquezas para que ele renunciasse a Cristo. Ele não aceita. Por isso ele passa a ser torturado por longo tempo para renunciar, e ele não renuncia. Acaba sendo degolado no dia 23 de abril de 303 d. C., pelos romanos por sua fé cristã pra memória do mundo ocidental como um Santo Guerreiro, trazido pro Brasil pelo catolicismo popular dos portugueses pobres.
Ogum foi um dos descendentes e generais de Oduduwa. Ajudou na expansão do reino de Oduduwa, aproximadamente no séc. X ou XI. Governou a cidade-Estado de Irê. Também chamado de Onirê (rei de Irê), ou Gu em outras regiões. Foi grande líder e contribuiu na formação da Iorubalândia, região formada por diversas cidades governadas pelos descendentes e aliados de Oduduwa, que marca a grandeza da civilização Iorubá, que mais tarde dá origem ao Império de Oió, que era governado por Xangô. Ogum era famoso por sua competência, autoridade e grande bondade para com os súditos. Porém em um acesso de fúria ele mata muitas pessoas de sua corte de forma cega e impulsiva. Dizem os mitos que seu arrependimento foi tão profundo que estremeceu o chão, e a terra o tragou para dentro de si. Talvez ele simplesmente tenha sumido no mundo, abdicando de sua coroa e de seu poder pelo arrependimento. Mas, na memória de seus descendentes ele virou Orixá. Orixá Guerreiro que deu força e fé ao povo negro que ainda iria lutar e resistir muito contra a fúria da escravidão.
O que tem na macumba?
Antes do xirê tem ebó
Tem orô e bori
Sassanha pra tomar maianga
Tem perfuré antes do rum de babami
O paó é antes e depois
Padê de Onam despachado na porta com omi e otim não pode faltar
Adjá, inam, enin pra rezar babalaxé
Abian de surrão porque nem tudo pode ver
Iaô de erê pra dar os ossé nos oberós e nos ibás
O xére, só pra egbome, quando sobe no ilê faz todo mundo ir ao ló
E é aí que ogan é Ekede tem que dar conta de puxar e responder aduras e orikis
No aguerê, no bravum e na vamunha
Não pode parar o rum, o rumpi e o lê.
#candomblé #orixás #culturaafrobrasileira #comunidadedeterreiro
Candomblé não é magia
O Candomblé é um misterioso tabu para a maioria das pessoas que só conhecem de nome, de ouvir falar. As pessoas (muitas vezes até umbandistas) imaginam que o candomblé é a mais profunda magia. Uma mistura de feitiçaria com possessão e transe. Muitas vezes, nós candomblecistas, somos vistos como pessoas com superpoderes, capazes de fazer mágicas. Esse imaginário de bruxaria misturado com satanismo que prática rituais de sangue é o rótulo posto pela sociedade sobre o Candomblé.
Candomblé não é magia, não é seita secreta, e nem confere super poderes a quem se inicia.
O Candomblé é uma doutrina espiritual/religiosa que pratica o culto e a conexão com a natureza, com a ancestralidade e com o mundo não material.
O Candomblé é o resultado histórico de um sincretismo que tem raízes na África e que se aprofunda nos quilombos, nas senzalas, nas periferias urbanas e "se organiza" como religião ao longo da lenta "libertação" de escravos nos entornos das grandes cidades como Salvador, Rio de Janeiro, São Luís, Recife.
O Candomblé é também uma religião essencialmente feminina e feminista (apesar dos tabus de gênero existirem em sua prática). Mulheres alforriadas e nascidas livres foram responsáveis pela iniciativa de organizar um culto ancestral banto/iorubá. Mulheres, na maioria estreitamente ligadas à igreja católica (paróquias em bairros negros e irmandades de santos católicos de tradição negra).
O Candomblé é também uma religião social. Acolhia e alforriava negros fugidos ou libertos mas sem ter pra onde ir. As roças de candomblé acolhiam jovens solteiras grávidas, órfãos, pessoas lgbt.
O Candomblé é um acervo imaterial de ritmos, cantigas e cânticos que preservam e misturam línguas Banto, iorubá, português e até vocábulos indígenas. É um acervo de culinária, vestimenta, estética corporal.
O Candomblé tem seus gestos e códigos de conduta. Seus símbolos, sua mitologia e teologia com metáforas e personagens. Tem sua ética e moral própria.
#candomblé #lei10639 #consciência #orixa #culturaafrobrasileira
Iorubás são como gregos
Essa grandeza é que o Candomble é uma doutrina que preserva conhecimentos, tradições e visão de mundo de grandes e avançadas civilizações. Iorubás são como os gregos, com filosofia, numerologia, botânica, oraculos matemáticos, mitologias, personagens heróicos que erram e acertam como humanos, valores antropocêntricos.
A língua banto é como o Latim. Uma língua mãe com dialetos e subdivisões culturais e étnicas, com diversidade e ao mesmo tempo similaridades entre todos os povos falantes da língua banto.
O Candomblé não é só afro. Ele é afroindígena. Tupis e Guaranis também são como gregos e romanos. Civilizações com visão de mundo e formas de organização próprias.
Os gregos e romanos são a base da civilização europeia, e isso aconteceu quando os cristãos passaram a valorizar a cultura greco-romana com o iluminismo.
Talvez o dia em que nós brasileiros realmente descobrirmos a grandeza dessas civilizações que existem e resistem aqui, aí seremos uma civilização brasileira.
Abiku: morte, infância e ancestralidade
Na cultura iorubá, que tá viva na macumba aqui, existe uma coisa chamada abikú. A tradução literal é junção das palavras que significam criança ou bebê (abi) e morte (ikú).
Uma pessoa abikú seria alguém que não tem o destino de crescer, é como se fosse uma alma que tem a missão ou destino apenas de nascer e viver um tempo curto.
A existência desse espírito, dizem os antigos, tem a função de passar pela vida material para cumprir seu papel na existência da comunidade, e que até o sofrimento pela perda faz parte do processo evolutivo espiritual dos pais, família e comunidade.
É por isso que existe na macumba essa entidade criança. Os erês, ou vunges, ou Cosme e Damião. Todas são representações dessa entidade que é a criança por si só.
E nos caso da incorporação e culto ancestral desses espíritos, os erês que trabalham na mediunidade são crianças que continuam a cumprir sua missão, ou seu destino ou seu odu na dimensão espiritual.
Na espiritualidade afro indígena a morte, até de crianças, faz parte da existência, e é apenas parte dela. E essas entidades crianças carregam na sua força a potência da inocência, ingenuidade e sabedoria próprias da infância.
A obrigação moral mais óbvia de qualquer adulto é cuidar e proteger qualquer criança.
A revolução será feita quando aprendermos a cuidar de todas as crianças.
Viva Cosme e Damião. Erê mi.
Educação antirracista
Muito se fala em educação antirracista. Muito mesmo. Virou até capital de currículo, marketing digital pra empresários e polítiqueiros da ed...
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Na cultura iorubá, que tá viva na macumba aqui, existe uma coisa chamada abikú. A tradução literal é junção das palavras que significam cri...
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Pra praticar o Candomblé é preciso cumprir preceitos. Vários tipos. Alimentos, sexo, roupas, cabelo, ambientes, álcool. E varia de acordo co...
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No Candomblé não tem "de graça" e caridade é rito só em agosto. O resto do ano é rotina opcional de acordo com seu caráter. O asé...